terça-feira, 17 de novembro de 2015

Alta cultura, pop e baixa cultura, nimbadas por ironia


Numa sua recensão crítica, no TLS (nº 5875), o escritor e filósofo inglês Roger Scruton (1944), professor convidado da Universidade de Oxford, ao abordar o volume (traduzido) de Vargas Llosa, Notes on the death of Culture, epígono da obra de T. S. Eliot (Notes towards a definition of Culture, 1948), permite-se um tom irónico, muito british na sua essência, ao caracterizar as diferentes formas de cultura. Porque o texto me divertiu imenso, vou traduzir, de forma livre, um pequeno excerto dessa recensão bem humorada. Assim:
"... Há segredos que é preciso saber descriptar, ao contrário de outros, que são permissivos livros abertos. Ao contrário da cultura pop, a alta cultura é algo que não se pode consumir. É alguma coisa em que apenas somos iniciados. E que tem um efeito transformador na nossa vida, e uma vez partilhada, tudo muda - amigos, amantes, companhias, actividades, dia a dia e lazer. Algumas vezes, é verdade, acontecer beijarmos uma rapariga, mesmo quando ela não saiba distinguir o prelúdio menor do Livro primeiro de Bach, da Opus 48 do Livro II; mas esses beijos não foram verdadeiros beijos: eles pertencem ao mundo da ephemera, e não à vida autêntica que deve ser vivida. Bem assim como à diferença entre a pop e a clássica aplicada a beijar como deve ser. Não reconhecer isso, é trair tudo aquilo que aprendemos com F. R. Leavis, Eliot e D. H. Lawrence. ..."

4 comentários:

  1. Não posso deixar de dizer algumas palavras que corroboram a tese do texto e penso que também do tradutor. Ludwig wittgenstein, afirma na sua obra que esses segredos estão de certa maneira ocultos, e que só através da experiência se consegue apreender a decriptação, leitura dos mesmos, e após subir a escada, patamar, nível, é impossível voltar atrás, porquanto esse conhecimento nos transformou, (na arte cultura pop, esse processo (descodificar) é mais fácil, a questão dos beijos, é que, no sentido que pessoalmente apreendo, todos eles fazem parte do processo experiência, aprendizagem, e cabe a cada um, no sentido Nietzschiano, avaliar e hierarquizar a importância de experiência em cada momento.
    Obrigado por este texto que permite esta troca de impressões, (dialéctica).

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    1. Penso que a sua leitura foi correcta e coincide, em grande parte, com a minha.
      A minha opinião é que, se a democratização da cultura foi um passo importante em direcção à liberdade, ela tem também que ser acompanhada pelo cultivo do gosto (estético). Entre puro consumismo e fruição crítica, vai uma enorme distância. E a ausência de "guias" (críticos informados, sérios e isentos) e referências sólidas, faz falta, nos nossos dias. Daí vermos muitas vezes "meter no mesmo saco" produções culturais com grau de qualidade muito diverso, algumas das quais não mereceriam o destaque que lhes é dado.

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  2. Compreendo o seu ponto de vista, inteiramente de acordo, o problema é de dificuldade elevada, apesar de um jovem crescer, num lar, que lhe proporciona acesso a variadíssimos conteúdos de muita qualidade, quer livros, musica, vídeos fotografias, etc. ele vai achar que o máximo é outra coisa qualquer, não existe capacidade para avaliar, julgar, criticar, o problema começa nas escolas em que os programas não são indicados para a idade mental dos sujeitos, recordo-me de uma garotita que vi no liceu e andava com livros de Eça ou Almeida Garrett, programa do 9.º ou 10.º ano, e depois vi-a na Biblioteca Itinerante da Gulbenkian e a criança levava para casa livros da Anita.
    Muito haveria a dizer.

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    1. Ser criado numa casa em que existam valores culturais é uma mais valia, mas não imprescindível para um desenvolvimento equilibrado. A curiosidade pessoal é, talvez, ainda mais importante, nesse aspecto. E o desenvolvimento de um espírito crítico - falta maior dos portugueses, na minha opinião - tem uma importância essencial.
      Quanto à Escola, presentemente, e com o seu espírito do "sempre em festa" perdeu grande parte da sua missão formativa. E é lamentável que isso tenha acontecido.

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