sábado, 14 de novembro de 2015

A par e passo 152


Mas, de facto, não é um culto privado: a poesia é literatura. E a literatura comporta, quer queiramos ou não, uma espécie de política, de competições, de idolatria, uma combinação infernal de sacerdócio e de negócio, de íntimo, mas também de publicitário; ou seja, tudo aquilo que é necessário para desanimar as primeiras intenções donde desperta, e que estão, em geral, bem distantes de tudo aquilo que era nobre, delicado e profundo. A atmosfera literária é pouco favorável à cultura desse encantamento de que falei: ela é vã, contenciosa, cheia de ambições, de movimentos que disputam a superfície do espírito público. Esta sede que pressiona e estas paixões que em nada convêm à formação laboriosa das obras, e menos ainda à sua meditação por parte das pessoas que as merecem, e cuja atenção é a única que pode recompensar um autor que não dá qualquer valor à admiração em estado bruto e impertinente.

Paul Valéry, in Variété V (pgs. 108/9).

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