quarta-feira, 22 de abril de 2015

Idiotismos 30


A meio da manhã, um jovem de óculos escuros, com ar de ferrugem envelhecida, pronunciou, na esplanada, uma palavra que eu já não ouvia há muito: esquerdalho.
Fiquei a pensar. Havia nela, pelo tom, mas também pelo sufixo, reminiscências ou um eco atávico e conservador, do salazarista: reviralho.
Ocorreu-me a palavra rebotalho, mas evitei, pelas conotações, ir mais longe...
Mas não pude deixar de me perguntar porque seria que a esquerda (mais gentil?, mais neutra?, mais elegante ou purista?) não usa nunca, criativamente, e em contraditório, o neo-vocábulo: direitalho.

6 comentários:

  1. Há muito que não oiço essa referência de 'esquerdalho'. :)

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    1. Não fosse ouvi-la, ontem, e mal me lembraria da palavra.
      Bom dia!

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  2. Porque a esquerda portuguesa, que se considera tudo o que diz (gentil, ...), prefere bater mais forte e menosprezar qualquer eventual "ideologia" de direita, reduzindo-a a duas ou três ideias-feitas-fixas. Um verdadeiro esquerdista (esquerdalho ou não) prefere os apodos "salazarento" (rimando, no seu íntimo, com "bolorento"), "fascista" (ou a variante "fascizóide") ou "neoliberal".
    E digo-o de forma respeitosa, acredite, mas veja como, no seu caso, o jovem enferrujado lhe sugeriu imediatamente esse tipo de imagem (que eu imagino bem merecia).
    (PS: desde António Guterres e do Padre Melícias que a esquerda portuguesa deixou cair o epíteto "beato"). ;-)

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    1. Claro que a "esquerda" é uma ideia, normalmente, definida na cabeça de algumas pessoas que conhecem a História. Mas que a "direita", menos ilustrada (veja-se a excepção esclarecida de Jaime Nogueira Pinto, por exemplo), procura ignorar, proclamando a inexistência de diferenças, na política.
      Em boa verdade, no entanto, a prática de alguns homens, ditos de esquerda (Blair, Hollande...), que o não são, em estratégia,formação e pensamento, contribuem, desportivamente, para a confusão, ou para essa ideia dos ignorantes ou manhosos.

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    2. Lá está, "a direita, menos ilustrada". Eu acho que esta ideia perdura porque a História é escrita "à esquerda".
      Mas Mario Vargas Llosa, Jorge Luís Borges, Machado de Assis, até Vasco Graça-Moura, aí temos gente ilustrada - e ilustre - de direita. Foram ativistas empenhados (até mesmo politicamente) de uma ideologia "conservadora" - no sentido inglês, sem que isso signifique imobilismo, mas antes a preferência por uma sociedade que valoriza a liberdade dos indivíduos.
      E João Pereira Coutinho, Rui Ramos ou Pedro Mexia não cheiram a mofo nem são uns broncos - mas acreditam que há diferenças na política.

      (Há diferenças, mas é da natureza humana que em cada um de nós coexistam os dois lados. Eu, por exemplo, abomino valores religiosos, sou absolutamente tolerante a todos os modos de vida e até aos vícios e a História é uma coisa que está para a frente, pelo que os valores "patrióticos" raramente me assistem; no entanto, acredito que a liberdade individual deve prevalecer, como valor, sobre a igualdade, que um Estado deve ser mínimo e apenas subsidiário e que a Cultura está à frente, mas deve ser livre. Serei bipolar?)

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    3. Não creio que a História (portuguesa) tenha sido escrita, excessivamente, à esquerda: Herculano era, apenas, um liberal conservador, embora homem probo, escrupuloso e competente; Alberto Sampaio (e lá vem o Nóvoa, seu descendente...) não seria um esquerdista extremo, com toda a certeza. Os sub-historiadores Ameal e o fantasioso Hermano Saraiva eram puros sangues do salazarismo. Dos três novi-historiadores, que cita, deixe-me duvidar da proficiência asséptica, mas não menos menos majestática, de Rui Ramos. Quanto a marcadamente de esquerda, só me lembro de dois historiadores de qualidade: Borges Coelho e Fernando Rosas. Por isso, e neste breve inventário meu, a direita e o centro ganham.
      Concordo e associo-me consigo, no entanto, na bipolaridade: todo o ser humano tem por si constituintes conservadores e, também, progressistas. Fundamental é que tenha, simultaneamente, a preocupação e sentimento da necessária justiça social. O amor ao próximo, para irmos mais atrás e simplesmente ao cristianismo, mesmo que não sejamos homens religiosos. Confesso-me, porém, um fraco quanto ao patriotismo, que comungo, embora em doses equilibradas - julgo eu.

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