domingo, 19 de setembro de 2010

Para quem, ainda, estiver à beira-mar


"Na praia. Quase ao pôr do Sol. Baixa mar de marés vivas.
A água escorrida deixou os extensos planos da impoluta areia alisados, aplainados, dando uma impressão de virgindade melindrosa que mesmo os pés nus receiam trilhar.
A espaços, grandes quadros empapados, a rever água, onde se reflecte profundamente o céu. (...) A orla do mar estende-se pela praia com o deslizar soturno e quase empeçado de veludo; não vem laminada; espalha-se aqui e além, nos planos desiguais da areia que a sorve e se enfeita com os seus arabescos de espuma violeta. (...) O ténue crescente da Lua corta a linha do horizonte; uma apara de unha luminosa, um leve sulco de prata a esvair-se... Subo vagarosamente o caminho estreito e sinuoso que leva ao meu mirante... (...)Há em toda a natureza uma estranha dormência, um silêncio de prostração, uma lassidão, um temor... A absoluta mudez do mar, ali tão próximo, inquieta.
Entro em casa; abro a janela do meu quarto que deita para o jardim. Quase que se percebe a respiração das petúnias, morna e balsâmica. (...) A atonia universal sujeita-me a alma, adormenta-me, aniquila-me, dá-me a sideração completa. E assim ficaria eternamente.
Range no quintal a roldana do poço; ouve-se o claro som da água derramada do balde que chapinha; alguém diz a meia voz: A água turvou; que levante não fará amanhã..."
Manuel Teixeira Gomes (1860-1941) in Inventário de Junho.

6 comentários:

  1. Também sou fã de Teixeira Gomes, o qual li (devorei) na totalidade (do que à época estava publicado) nuns dias em que estive doente. Ainda era uma prateleirita.
    «A absoluta mudez do mar, ali tão próximo, inquieta. (...) E assim ficaria eternamente.» Ainda hoje escrevi num comentário do Prosimetron, como gosto do mar. Sempre diferente.

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  2. E a fotografia é a tal de que lhe falei, no sábado.

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  3. Adoro MTG. E escolheu um belo trecho.
    Bom dia!

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