quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Claudio Magris sobre E. M. Cioran


De Claudio Magris (1939) tenho vindo a ler, parcimoniosamente, "Danúbio". Como "Le Premier Homme" de Albert Camus, também. Para que não acabem muito depressa. Como, às vezes, faço com um resto de "after-shave", uma aguardente velha, uma água de colónia que sei que já não poderei comprar mais nenhuma. Porque deixaram de se fabricar e porque gosto ou gostei demasiado deles, para os deixar acabar...
Magris fala, em "Danúbio", das diversas regiões e países que o rio atravessa. Desde a nascente até à foz, no Mar Negro. Descreve paisagens, conta lendas e histórias reais, refere etnias, filósofos, escritores. Da Roménia cita um provérbio nacional que, para Magris, define, de algum modo, os romenos: "Uma cabeça vergada, não é cortada." Quando por lá passou, nos anos 80, Ceausescu governava em ditadura. Ao falar de Bucareste, o escritor italiano refere, também, E. M. Cioran. Não é nada simpático, para com ele. Diz o seguinte, na página 345:
"... Cioran, com a sua desilusão total e exibida, nasceu destas funduras vegetais do universo romeno, embora não em Bucareste, ou, como ele escreve, de mistura de frescura e podridão, de sol e de esterco do país. Mas o riso radical troça não só da fé na ordem e nos valores, mas também da certeza do caos e do nada, e Cioran, ofuscado pela decomposição nostálgica, é incapaz de autêntico cepticismo ou de humor. Rasgando um véu após outro de todas as filosofias e ideologias, Cioran tem a ilusão de ver passar diante de si, no palco da história universal chegada ao seu termo, o bazar das fés em liquidação, sem dar conta de que também ele desfila no meio do cortejo universal. Parasita do mal-estar, refugia-se na negação absoluta, chafurdando confortavelmente entre as contradições da existência e da cultura e ostentando o seu delírio, em vez de procurar compreender a muito mais difícil mescla de bem e de mal, de verdadeiro e de falso que cada dia traz consigo. (...) Cioran é um filho genial deste mercado, mas um filho que pôs a cabeça a salvo e se afastou para longe, para o interior da sua mansarda parisiense, desta humilde e festiva miséria humana. ..."

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