quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Livros, Bibliotecas e comportamento humano


Foi há pouco a leilão (5/12/15), na Sotheby's, uma boa parte do melhor da magnífica biblioteca que pertenceu ao advogado norte-americano Robert S. Pirie (1934-2015). O seu ex-libris, ou lema "I want, I want", ilustra bem a difícil fronteira entre o bibliófilo ponderado e o guloso comprador e coleccionador de livros, dominado por um desejo imoderado de aquisição.
No mesmo registo, mas em tom distinto, o último TLS (nº 5879) traz, a propósito da recensão do livro The Meaning of the Library, de Alice Crawford, algumas considerações muito interessantes de Alberto Manguel sobre o comportamento humano, no que diz respeito a bibliotecas e aos livros. Pela qualidade do texto, resolvi traduzir o seu início. Como se segue:
"Somos, intrinsecamente, animais nostálgicos para quem o luto é um sinal de reconhecimento. O nosso tom preferido é a elegia. Enquanto alguém ou alguma coisa está presente, prestamos-lhe pouca atenção, mas quando pressentimos que vai desaparecer, sentimo-nos irresistivelmente atraídos para as suas ruínas. Os exemplos são muitos. Quando, em meados do século XX, o automóvel se tornou o principal meio de transporte humano, Bill Bowerman, um instrutor de Educação Física da Universidade de Oregon, publicou Jogging, o primeiro livro que celebrava a benéfica utilização dos nossos próprios pés e andamento. Algumas, poucas, décadas depois do cinema se ter tornado o entertenimento favorito do ser humano, o teatro, considerado moribundo, foi reactivado, reexaminado e redefinido por Stanislavski, Brecht e Artaud. E, em finais do século XV, quando a recente invenção da Imprensa parecia ameaçar a sobrevivência do manuscrito, manuais de caligrafia começaram a pulular, colecções de cartas (como as de Cícero) tornaram-se best-sellers, e os escribas produziram manuscritos inúmeros, copiando, para ávidos coleccionadores, os textos de livros recentemente publicados. ..."

10 comentários:

  1. Vejo-o como fã (potencial, se é que não o é já realmente) da sério Les Cités Obscures, dos belgas Schuiten e Peeters. Cidades cheias de arquivistas, bibliotecas e belíssimas imagens.
    (https://www.altaplana.be/start)
    Recomendo.

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    1. Pareceu-me interessante, pela amostra. Irei explorando...
      Muito obrigado.

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    2. Sou uma grande fã de Schuiten e Peeters.
      Bom dia!

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  2. Respostas
    1. Se me permite, Alberto Manguel é um autor que lhe recomendo. Embora António Ferro não seja para desprezar..:-)
      Boa noite!

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    2. Comprei ultimamente uns livros dele ( "No bosque do espelho", "Uma história da Leitura" e "Uma história da curiosidade")em grande parte, porque é um autor que tem aqui recomendado. Mas ainda não os li.
      Do António Ferro comprei há dias a "Teoria da indiferença", um livrinho interessante.

      Boa noite:)

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    3. Eu comprei, há pouco, "Uma história da curiosidade", mas ainda o não comecei a ler. Os outros 2 que refere, já os li.
      Do António Ferro não li o livro, mas um amigo meu, com grande sentido crítico, gabou-mo.
      Boa noite.

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  3. Que belíssimo texto, interessantíssimo, é inegável quantidade de exemplos que podem ilustrar a situação, mas deixo aqui estas linhas, (veio-me á memória com o exemplo do automóvel e da publicação jogging), para lembrar Agostinho da Silva, ele que dizia que preferia andar a pé do que de automóvel, porque a percepção do pormenor, da natureza divina das coisas desaparecia com a velocidade, não deixa de ser verdade, quem é que dizia que Deus está nos pormenores.

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    1. A recensão de Manguel tem realmente grande qualidade como grande parte dos seus textos.
      Creio que a frase "Deus está nos pormenores" é atribuida a Flaubert.
      Uma boa noite!

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  4. Exemplos, em várias áreas, não faltam para ilustrar a seguinte frase de Manguel: «Enquanto alguém ou alguma coisa está presente, prestamos-lhe pouca atenção, mas quando pressentimos que vai desaparecer, sentimo-nos irresistivelmente atraídos para as suas ruínas.»

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