quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Seamus Heaney, Madrid e Goya


É minha convicção que as viagens só têm aproveitamento de aprendizagem e só ganham espessura, na memória, a partir da adolescência. Até lá poderão talvez ficar fiapos de recordações e imagens, não mais.
Madrid poderá ver-se de várias perspectivas, consoante o visitante, sendo que duas serão as mais claras: consumo e cultura. Tudo, também, depende da razão por que lá fomos, o estado de espírito da altura, a idade, o que vimos e comprámos. Há porém quem defenda que a memória das cidades resulta das experiências afectivas ou eróticas que lá tivemos. Será, porventura, uma forma poética ou psicanalítica de ver as coisas...
Era eu um infante, a primeira vez que fui a Madrid. Ficaram-me, da chegada, as imagens de prédios altos (que nunca tinha visto tão altos) iluminados, porque já era de noite. E ainda a lembrança de um detestável e enjoativo sorvete de baunilha, que não consegui acabar; bem como uma armadura perfurada por balas da Guerra Civil, num museu. As moedas, mais leves que as portuguesas e um vago quarto de hotel. Foi tudo. Vieram também comigo 1.000 selos de colecção: Hungria, Checoslováquia, do período da inflação alemã.
O poeta irlandês Seamus Heaney (1939-2013) esteve lá em 1969. Pouco menos de três anos antes da Bloody Friday, mas já a Irlanda do Norte fervilhava. Heaney viu Madrid através de algumas pinturas de Goya e, mais tarde, escreveu um poema, que intitulou Summer 1969. De que vou traduzir uma pequena parte dos versos finais:

Refugiei-me na frescura interior do Prado.
Os "Fuzilamentos do 3 de Maio" de Goya
Cobriam uma parede, as armas apontadas
E o espasmo do rebelde, os protegidos
E trajados militares, a eficiente descarga
De fuzilaria. Na sala adjacente os seus
Pesadelos incrustados na parede do palácio
- ciclones sombrios, sôfrego, recurvado Saturno
Enfeitado no sangue dos seus próprios filhos
O caos gigantesco em redor da barbárie
Sobre o mundo. (...)
Ele terá pintado de punhos cerrados, sobrancelhas
Franzidas, coração endurecido pelo peso da história.

3 comentários:

  1. tinha 14 anos a primeira vez que fui a Madrid e não gostei muito, ao contrário de muitas outras cidades espanholas onde já havia estado.
    Quando vou ao Prado, não posso deixar de visitar Goya. E gosto imenso dos Fuzilamentos do 3 de Maio, de que tive uma reprodução grande.
    Bom dia!

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  2. E gostei deste poema de Seamus Heaney.

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    1. Eu deveria ter 8/9 anos quando lá fui. Vi o Escurial, mas creio que não fui ao Prado - tudo recordações muito vagas...
      Boa tarde!

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