domingo, 14 de dezembro de 2014

Geminar é preciso: O Arquivo Nacional da Torre do Tombo (TT)



O imponente edifício da TT, olhado do relvado fronteiriço, revela a sua degradação e falta de manutenção com o aproximar dos passos até à entrada.

Lá dentro, a “monumental” escadaria pareceu-me, sempre, à semelhança do difícil acesso ao céu, como imagem perfeita dos sacrifícios impostos ao penitente – quiçá pedinte – para redimir o seu pecado de ter ousado querer entrar em espaços tão etéreos e nobres.

Ultrapassada esta fase iniciática, que implica, normalmente, uma prolongada espera de mais de 30 dias a aguardar que “recaia despacho superior favorável” a pedidos de consulta, o leitor sujeita-se ao crivo de uns quantos – numerosos – funcionários “mui” próprios. A sensação que nos fica é semelhante a daquelas lojas, com muito bom aspecto, em que os empregados não percebem nada da poda, tanto vendem “trapos” como “caramelos”.

Com efeito, há uma carência básica no domínio de palavras tão essenciais como difíceis, a saber, “princípios metodológicos” que obrigam a uma consulta PRESENCIAL dos documentos. Se determinados princípios fossem compreendidos por quem de dever,  poupava-se o leitor a um calvário imenso recheado de “pedras” e “flores de ignorância”, de que a troca de “fólios” por “páginas” na reprodução de documentos é apenas um leve acidente de percurso.

Soube, presencialmente e no presente mês, que um pedido último, datado de 30.6.2014, não foi despachado porque não “entrou”, já que o endereço electrónico mudou e o “sistema” esqueceu-se de captar as solicitações anteriores, entregues a uma qualquer “nuvem informática”. Feito, então, novo pedido, recebi uma “recaída superior”, solícita e esclarecedora da ignorância metodológica. Adverte uma excelente senhora que o documento – um fólio impresso – se encontra disponível online, o que eu já sabia, aconselhando, depois de fornecer as medidas do corpo do texto, que descarregasse a imagem para “realizar as medições necessárias, bem como analisar a marca de água” (!). Sublinha-se que o impresso tem na sua mancha gráfica tipos de corpos diferentes, para além de tarjas e duma inicial.

Resta acrescentar que tive conhecimento do impresso através de “mão amiguíssima” – rato de biblioteca no mais nobre sentido da palavra – já que os “auxiliares de consulta” e, sobretudo, o catálogo electrónico da TT não prestam auxílio algum e a visualização de imagens online é uma verdadeira tortura. Pode acontecer que uma pesquisa por ORDEM DE SANTIAGO nos remeta para mais de 5000 entradas com a palavra “pereira” e sabe-se lá o motivo da resposta.

No entanto, e no meio de tantas pedras no caminho para observar presencialmente um documento, não pode deixar de ser curioso contemplar a liberalidade – quiçá falta de rigor – com que certos leitores se rodeiam, na sala de leitura, de garrafinhas ou garrafas de 1.5 l de água em cima ou ao lado das mesas de trabalho. Mas, sou certamente eu que não entendo os efeitos dos tempos modernos !

Se há quem tome um bom pequeno-almoço antes de ir a uma Repartição de Finanças, confesso que preciso mais para cumprir o meu “dever metodológico” e observar, em presença, documentos na Torre do Tombo.

Post de HMJ, dedicado a JAD, como "Santiago aos Mouros"


10 comentários:

  1. A Torre do Tombo não gosta de cumprir a sua função - local de conservação e consulta de documentos do passado. Todos os dias sou impedido de ver dezenas de documentos, que não se encontram digitalizados, nem se sabe o que dizem, porque um técnico acha pura e simplesmente que um pergaminho do século .... pode estragar-se com a consulta. O pergaminho estraga-se é se ninguém lhe tocar, dobrado, numa caixa. A pele seca e depois parte. Se o "animarem" e tratarem ele não morre.

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    1. Para JAD:
      gosto muito destes "técnicos" que consideram todos os restantes simples amadores. Até confere, porque os "simples" acabam por amar mais o acervo do que aqueles que lá estão.

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  2. E, agora, a esses factores de bloqueio, juntem a questão logística: investigador que reside a mais de 300 km da TT e tem de pensar em tudo e mais alguma coisa antes de ir à dita cuja fazer pesquisa (com a previsão exacta do que quer consultar e "etc's"), chegando lá, muitas vezes, para voltar a casa de mãos vazias. ;)

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    1. Caro Anónimo,
      já pensei muitas vezes nas pessoas que vêm de longe, nacionais ou estrangeiros, para TENTAR ver um documento.

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    2. Olá, hjm.

      Bem, fosse só o chegar à TT e voltar de mãos a abanar... :) Antes disso, há outros factores "chatinhos".

      Pessoalmente, trabalho com os arquivos do SNI/Censura e da PIDE/DGS. Ora, eu não posso planear as minhas idas a Lisboa (sou da zona de Viseu) sabendo exactamente o que vou consultar de ambos, mais até da PIDE/Censura. Isto porque a pesquisa sobre processos potencialmente interessantes só pode ser feita localmente, nos computadores da TT. Só estando lá é que posso saber se para o tema "tal" tenho à disposição 2 processos ou 20. Vou para duas horas de pesquisa ou para duas semanas? Nunca sei ao certo, o que "só é grave" porque tenho de planear a deslocação e a estadia.

      Quanto tenho de consultar imprensa nacional do século XX (o jornal "República", por exemplo), lá tenho de ir a... Coimbra. Sim, porque a biblioteca de Viseu, segundo palavras de um elemento da direcção, só não tem esse e outros jornais porque não tem instalações para suportar tais colecções.

      E poderia continuar a enumerar uma série de pontos que mostram o quão é estimulante fazer investigação para quem não vive em Lisboa, onde tudo se concentra, mas penso que o que narrei já é ilustrativo que chegue. :)

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    3. Caro Anónimo:
      a sua contribuição é esclarecedora. Não sei se lhe darei uma informação nova, mas a hemerotecadigital.cm-lisboa.pt tem números do jornal "República" em formato pdf online. Mesmo assim, desejo a continuação de boas pesquisas !

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    4. Obrigada, hmj! Por acaso já tinha conhecimento da parcial digitalização do República", mas, da última vez que pesquisei, os números eram ainda pouquíssimos e não da fase que mais me interessa (1971-1975). :(


      A pura verdade é que é comlicadíssimo desenvolver investigações profundas e prolongadas no tempo quando nunca temos por perto (e mesmo tendo perto, não tendo acessíveis) as fontes de que necessitamos. Haja esperança de que o futuro nos traga uma mudança de rumo. :)

      (lapso meu "mais até da PIDE/Censura". Quis dizer PIDE/DGS. :) )

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    5. Pois, é a esperança num futuro melhor e o gosto pela investigação que nos alimenta e move.

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    6. :)

      Votos de boas festas!

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