Para quem tiver um mínimo de experiência em traduções, será fácil perceber que, muitas vezes, é bem mais difícil encontrar a palavra exacta de substituição do que perceber o sentido de uma frase, e traduzi-la quase fielmente para outra língua. Tanto em prosa, como em poesia.
A propósito da terceira (?) tradução para inglês do romance "L'Étranger", de Albert Camus, uma recensão crítica favorável, de Shaun Whiteside, no TLS, aborda a questão da tradução de Sandra Smith, para a Penguin, bem como algumas questões e dificuldades daí derivadas. Vamos ao concreto, com exemplos comparativos, considerando também a tradução que António Quadros fez, para a Livros do Brasil (Colecção Miniatura, nº 48). Assim começa o romance:
- "Aujourd'hui, maman est morte." (Texto original de Camus, em francês)
- "My mother died today." (Tradução de Sandra Smith, para inglês)
- "Hoje, a mãe morreu." (Versão portuguesa de António Quadros).
Nos dois casos de tradução, verifica-se uma fuga à familiaridade do vocábulo "maman" (que, usando de secura, seria: mère), original, para uma objectividade mais fria e impessoal: mother (em inglês) e mãe (em português). Terá sido o mais correcto e justo? - é o que me pergunto. Até porque, na versão inglesa de Sandra Smith, ao longo do romance, a tradutora irá usar, várias vezes: Mama. E o TLS regista que, nas anteriores traduções inglesas, se teriam usado as palavras mum e mom, acompanhando mais fielmente essa tal familiaridade que Camus usou.
Dir-se-á que são problemas de "lana caprina", estes, que aqui levanto. Mas penso que são estes pequenos casos que podem fazer toda a diferença entre uma boa e uma menos boa tradução.
Uma frase simples de muito difícil tradução. Só que não me parece que, em português, ficasse melhor nem com "mãezinha", nem com "mamã".
ResponderEliminarQuando me lembro do início de O estrangeiro, recordo sempre o princípio da Alegria breve: «Enterrei hoje minha mulher».
Que maravilha, MR!, ter-se lembrado desse início do romance de V. F., que eu tinha esquecido (vide: Bloom). Obrigado!
ResponderEliminarÉ por essas razões que, quando posso ou consigo, prefiro ler os livros na língua original.
ResponderEliminarE faz muito bem, Margarida. Sempre que se possa...
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