quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Traduzir Camus


Para quem tiver um mínimo de experiência em traduções, será fácil perceber que, muitas vezes, é bem mais difícil encontrar a palavra exacta de substituição do que perceber o sentido de uma frase, e traduzi-la quase fielmente para outra língua. Tanto em prosa, como em poesia.
A propósito da terceira (?) tradução para inglês do romance "L'Étranger", de Albert Camus, uma recensão crítica favorável, de Shaun Whiteside, no TLS, aborda a questão da tradução de Sandra Smith, para a Penguin, bem como algumas questões e dificuldades daí derivadas. Vamos ao concreto, com exemplos comparativos, considerando também a tradução que António Quadros fez, para a Livros do Brasil (Colecção Miniatura, nº 48). Assim começa o romance:
- "Aujourd'hui, maman est morte." (Texto original de Camus, em francês)
- "My mother died today." (Tradução de Sandra Smith, para inglês)
- "Hoje, a mãe morreu." (Versão portuguesa de António Quadros).
Nos dois casos de tradução, verifica-se uma fuga à familiaridade do vocábulo "maman" (que, usando de secura, seria: mère), original, para uma objectividade mais fria e impessoal: mother (em inglês) e mãe (em português). Terá sido o mais correcto e justo? - é o que me pergunto. Até porque, na versão inglesa de Sandra Smith, ao longo do romance, a tradutora irá usar, várias vezes: Mama. E o TLS regista que, nas anteriores traduções inglesas, se teriam usado as palavras mum e mom, acompanhando mais fielmente essa tal familiaridade que Camus usou.
Dir-se-á que são problemas de "lana caprina", estes, que aqui levanto. Mas penso que são estes pequenos casos que podem fazer toda a diferença entre uma boa e uma menos boa tradução.

4 comentários:

  1. Uma frase simples de muito difícil tradução. Só que não me parece que, em português, ficasse melhor nem com "mãezinha", nem com "mamã".
    Quando me lembro do início de O estrangeiro, recordo sempre o princípio da Alegria breve: «Enterrei hoje minha mulher».

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  2. Que maravilha, MR!, ter-se lembrado desse início do romance de V. F., que eu tinha esquecido (vide: Bloom). Obrigado!

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  3. É por essas razões que, quando posso ou consigo, prefiro ler os livros na língua original.

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  4. E faz muito bem, Margarida. Sempre que se possa...

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