Há um frio sobre o frio destes descampados de nenhures, cercados de altas torres de escritórios apagados e sem gente. Destes largos passeios desertos que servem unicamente para demarcar ruas sem pessoas, onde os automóveis passam, continuamente, em direcção à noite.
À espera, e vendo-as altas, lembro-me de O'Neill, da canção e dos versos: "Se uma gaivota viesse..." E penso que cinquenta anos bastaram para quebrar este lirismo. As gaivotas estão mais gordas, mais agressivas, quase nos disputam o espaço, parecem desafiar-nos, em terra. Pairam sobre monturos, sobrevoam os aterros a céu aberto, bicam frenéticas o lixo das ruas. Papos cheios como alados adolescentes obesos que já não sabem voar. São agora aves antipáticas. Deixaram o seu voo elegante sobre as águas, para descerem à terra. Já quase não seguem os barcos e as traineiras quando regressam da faina, à espera de algum peixe que os pescadores deitem borda fora. Perderam todo o encanto aéreo que mereciam nos versos de Alexandre O'Neill, que Amália tão bem cantava. Já não trazem o céu de Lisboa, no bico. Mas o lixo de Lisboa, nestes ermos cinzentos de torres apagadas e sem gente, onde passam carros, continuamente, em direcção à noite.
E quase já não há barcos e traineiras...
ResponderEliminarInfelizmente é verdade, LB.
ResponderEliminarUm frio que vai até aos ossos... Belo texto.
ResponderEliminarMuito grato, c.a..
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