sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Poeta e Criação, segundo E. de A.


Em Rosto Precário (6ª edição, 1995), no texto intitulado "O sacrifício de Ifigénia", Eugénio de Andrade escreve:
"O acto de criação é de natureza obscura; nele é impossível destrinçar o que é da razão e o que é do instinto, o que é do mundo e o que é da terra. Nunca nenhum dualismo serviu bem o poeta. Esse «pastor do Ser», na tão bela expressão de Heidegger, é, como nenhum outro homem, nostálgico de uma antiga unidade. As mil e uma antinomias, tão escolarmente elaboradas, quando não pervertem a primordial fonte do desejo, pecam sempre por cindir a inteireza que é todo um homem. Não há vitória definitiva sem a reconciliação dos contrários. (...) Porque o poeta vai nascendo com o poema para a mais efémera das existências; são as palavras, a luz e o calor que de umas às outras se comunicam, que o vão por sua vez criando a ele, acabando por lhe impor a mais dura das leis - a de que se extinga para dar lugar à fulguração do poema, a de que deixe de ser para que o poema seja, e dure, e o seu fogo se comunique ao coração dos homens."

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