quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Os fretes e as boas consciências


Não sou inocente, nem ingénuo no que diz respeito a relações de trabalho. Tenho experiência directa de conflitos variados em mais do que uma empresa. Sei que há bons e maus trabalhadores, bons empresários e sinistros empresários. Dito isto, e se tivesse que escolher, escolhia o trabalhador. Porque é mais frágil e tem, quase sempre, menos possibilidades de se defender.
Para quem conhece ou conheceu, até há bem pouco tempo, as regras do jogo, sobretudo em empresas privadas, é líquido que a legislação sobre o despedimento com justa causa é relativamente alargada e suficiente para cobrir infracções graves de um trabalhador. E para despedi-lo, justamente. Nisso eram unânimes, até há pouco tempo, entidades patronais, confederações de trabalhadores, e até um comentarista, Miguel Sousa Tavares, que referiu, com clareza exemplar, na TV, a questão sobre diversos ângulos. Este é o tema, estas são as bases.
Outra coisa, no entanto, são os Tribunais (e M. S. Tavares foi muito claro, neste particular). Muitas vezes, a posição de alguns Juízes é parecida com a posição de Pilatos: escudam-se em pequenas vírgulas legislativas, em vagas filosofias "cristãs", em pequenas nuances processuais, para promover empates morais, obrigar a acordos, ou dar razão, enviezada, ao trabalhador. Falta-lhes talvez a experiência da realidade laboral concreta - que isto sirva de atenuante...
Uma palavra, ainda, sobre os Advogados. E penso que sou isento, porque sou amigo dum dos mais conhecidos advogados, especializado em Direito do Trabalho. De alguns com que privei, de perto (não esse meu amigo), não tenho uma opinião muito favorável no que diz respeito a processos adstritos ao mundo do trabalho. Normalmente, e numa primeira fase, dizem: "- Há mais que razões para despedir!" Depois, a meio do julgamento, sussurram:"- É melhor chegar a acordo..."
Mas muito pior que isto foi ver, hoje, nos jornais da noite, na TV, o Eng. João Proença, da UGT, fazer o frete ao Eng. Sócrates, emparceirando com ele, mediaticamente, e dando-lhe cobertura, na alteração das leis laborais, para facilitar os despedimentos. E para agradar aos vampiros do FMI, e aos outros répteis e chacais especuladores que nos vão cercando, por todos os lados.

4 comentários:

  1. Bem, este texto dá tanto pano para mangas que apenas direi o seguinte: o que acontece, como refere, no Direito do Trabalho, entre aquilo que os advogados dizem às partes e a verdadeira realidade processual, designadamente o que se pode provar e se prova, é infelizmente extensivo a outros ramos do Direito.
    É o conhecido "Isto está ganho" que depois acaba em "os juízes não percebem nada"...
    Quanto ao facto de muitas vezes os julgadores "empurrarem" as partes para acordos, a verdade é que tb muitas vezes é a solução que permite à parte mais fraca-o trabalhador- ter uma decisão em tempo útil, sem ter de esperar pelas decisões dos tribunais superiores...
    Só mais uma palavra quanto às propostas agora enunciadas: acho uma vergonha tudo o que seja baixar as compensações pela cessação do contrato de trabalho, e demagógico dizer que é um ponto importante para termos crescimento económico.

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  2. Vou começar pelo fim, meu caro LB: o que me escandaliza e revolta é esta pressão exterior, muitas vezes, atentória da nossa dignidade nacional e, nalguns casos,muito próxima daquilo que foi o "mapa cor-de-rosa" e o "Ultimatum" inglês. E para quê, neste caso? Para, no fundo, restituir às instituições, que em parte provocaram esta crise (ou foram cúmplices dela), reintegrando-as na sua força perdida e trazendo-lhes, de novo, os dinheiros que perderam.
    É claro que os PIIGS, em vez de se unirem em bloco, para melhor resistirem (leram mal Brecht...), deixaram-se caçar, um a um...
    O que acontece, e para chegar ao início do seu comentário, é que perante a morosidade, pelo menos, dos Tribunais, muitas empresas acabam por fazer processos sumários (em vez de os levarem à barra da Justiça), por meios ínvios, dentro das suas próprias paredes, para despedir de forma "simplex" algum(uns) trabalhador(es).
    Ou encerram as empresas, porque sabem que estes casos se arrastam anos e anos, pelos tribunais.
    E os donos dessas empresas restauram as suas "vidinhas", em 2 ou 3 anos, sem que ninguém os incomode...

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  3. Ainda há umas semanas a Visão publicou um excelente artigo sobre o assédio psicológico feito para que os trabalhadores saiam pelo seu pé: secretárias sem telefone, telefones sem secretárias, uma cadeira num cubículo etc etc
    Estas actuações ainda ficam mais baratas do que meter advogados e tribunais...

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  4. Infelizmente, sei de alguns casos desses.

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