A última vez, naquela casa, terá sido em 1968, mas já faltava 1/3 do grupo inicial, à mesa. A data da primeira ceia de Natal perdia-se no tempo. Mas houve sempre pequenos ramos de violeta, na sala de jantar. A Matriarca dava-lhe a direita, na mesa, desde 1954; à esquerda ficava a sobrinha mais antiga, depois da morte dos mais velhos. Primeiro fora a Avó, sempre silenciosa, que se sentava na outra cabeceira, em frente ao Patriarca da família, que era Poveiro. O momento mágico era-lhe devido, quando, em vida, depois dos mexidos, rabanadas, sonhos, depois do Bolo-rei, que tinha favas e podia ter uma libra inglesa, o Patriarca se levantava, ia buscar a maquineta de café e iniciava o ritual em que a água límpida, no balão do fundo aquecido a lamparina, se transformava num líquido escuro, fumegante e aromático, que subia ao balão de vidro superior.
A única coisa que ele não apreciava, totalmente, era o pão de mistura, de brancura imaculada no miolo, para acompanhar o cozido de bacalhau. Com o peixe natalício sempre teria preferido, como hoje prefere, o pão dos pobres: a broa de milho minhota. Mas esse pão grande de mistura fora o seu segundo momento mágico da ceia de Natal. Quando Joaquim Leite, antigo motorista da casa - que era sempre convidado, democraticamente, para a mesa dos "Senhores" - depois de fazer o molho, no prato, com azeite, vinagre, sal e pimenta, e de cortar, em bocadinhos, a cabeça do alho, limpava a faca de prata brilhante a uma fatia de pão de mistura, com requinte deliciado, e comia esse pão com o suco do alho, regaladamente, antes de se atirar ao Cozido.
O vinho fora sempre do Dão, Grão Vasco, tinto, aberto meia-hora antes, para respirar, e a aquecer na sala de jantar, que já estava tépida, com o aquecimento ligado.
Nos últimos anos, bastante depois da morte do Patriarca, ele escapulia-se, logo após o Vinho Fino (Vinho do Porto caseiro), para tomar café na sede dos Bombeiros Voluntários, numa rua estreita e de má fama, que era o único sítio que o servia na cidade, na noite de 24. Onde encontrava, também, os amigos juvenis. Ficavam a falar até às 11 da noite, mais coisa menos coisa, para depois regressar a casa e esperar para seguir para a missa do Galo, na Igreja dos Redentoristas.
Hoje, e dessas Consoadas de Natal, só restam dois sobreviventes. Mas vem-me à memória um aroma, ainda agradável, com sabor de violetas ressequidas e eternas, enquanto eu for vivo.
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