sábado, 20 de fevereiro de 2016

Obituário


Nesta semana, que amanhã termina, desacompanharam-nos duas figuras maiores da literatura mundial. A singular romancista norte-americana Harper Lee (1926-2016), celebrizada por, praticamente, um só livro publicado (To Kill a Mockingbird), no bom exemplo dos nossos António Nobre e Camilo Pessanha, embora poetas. É certo que, da romancista, veio a sair, em anos recentes, um seu livro antigo (escrito nos anos 60), Go Set a Watchman que mais não seria senão do que uma primeira versão da sua obra inicial cujo título, em português, foi traduzido por Mataram a Cotovia.
A outra figura desaparecida foi o italiano Umberto Eco (1932-2016). Nas altas esferas intelectuais, não era uma figura consensual. Não lhe perdoaram, talvez, ter tido um imenso sucesso com o seu romance O Nome da Rosa (1980) e, mais ainda, por ter dado origem a uma prole numerosíssima de danbrownsinhos medíocres, por todo esse mundo fora...
Eco era uma figura polifacetada, não se esgotando na sua obra de ficção. Era, também, um professor universitário reputado, um fílósofo, um linguista. E um bibliófilo respeitado. Nessa qualidade, foi-lhe atribuído, em 2014, o prémio Gutenberg, pela Sociedade homónima, sita em Mainz (Alemanha). O Gutenberg-Jahrbuch, de 2015, publicou o seu texto de agradecimento. Pelo tom despretencioso e saborosamente coloquial do discurso, vou traduzir 3 pequenos excertos:

"A bibliofilia é certamente o amor pelos livros, mas não necessariamente pelo seu conteúdo."
...
"O amador de leitura, ou estudioso gosta de sublinhar os livros contemporâneos, até porque existe um certo tipo de subterrânea literatura, nisso, um sinal à margem, um destaque a lápis preto ou vemelho, que irão recordar, no futuro, uma experiência de leitura."
...
"Era uma vez um Mister Salomon, um velho livreiro e alfarrabista de Nova Iorque, no ângulo da 3ª Avenida com a 9ª Rua, a quem eu comprei, por quantias que oscilavam entre um e dois dólares, páginas belíssimas de livros antigos, óptimas para alindar uma casa de campo (...) Dizia-me ele: «eu faço vandalismo democrático, e a quem não possa permitir-se ter a Crónica de Nuremberga, eu, por não muitos dólares, posso vender-lhe uma página. Mas sejamos claros: eu adquiro apenas livros que estão condenados ao massacre.»"

4 comentários:

  1. Há por aí uns bibliófilos que só gostam da posse. Muitos nem abrem os livros. :(
    Há por aí muito pergaminho que acabou (e acaba) em abajures. :(

    Boa noite!

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    1. É verdade e, em muitos casos, um acto lamentável..:-(
      E também uma forma de muito alfarrabista pouco escrupuloso multiplicar os seus lucros...
      Boa noite!

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  2. Gosto muito de Umberto Eco e gosto muito de livros também. Ele permanece (certamente) vivo na sua obra. Bom Domingo!

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    1. Pois, aí, vamos em paralelo..:-)
      Eu diria que Eco foi um grande "renascentista" do nosso tempo.
      Bom resto de Domingo!

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