quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Divagações 108


Julgo que é apenas no século XX que a denominação de "Sem título" faz a sua aparição plena nas telas dos pintores ocidentais. Quase sempre ligada a pinturas abstractas. Cortando assim, cerce, qualquer veleidade de sugestão, ajuda ou meio de interpretação da obra, em si. Terá sido por vontade expressa dos autores, ou apenas por dificuldade na denominação adequada do quadro? Porque, simultaneamente no tempo, um pintor figurativo, Magritte, desencadeava para as suas telas uma luxuriante panóplia de títulos poéticos, irónicos, riquíssimos de sugestões. Que, por sua vez, encaminhavam os observadores para caminhos precisos, quando não, desconcertantes, pela sua múltipla oferta direccional.
Entretanto, a onomástica musical, de há muito, se desdobrara (sinfonia, sonata, estudo...), metodicamente, em classificações generalistas, muitas vezes, acrescidas de uma numeração cronológica que, se não interrogavam os ouvintes amadores, pouco os ajudariam em entendimentos simbólicos das composições. A tendência vinha sendo antiga, no sentido da abstracção de títulos. Assim fora também na poesia (écloga, canção, soneto...), muito embora, pelo seu conteúdo de palavras, não pusesse dificuldades de maior, ao leitor, quanto à percepção muito próxima do assunto ou temas tratados. De uma forma pouco rigorosa, eu diria que há, nos três casos distintos de arte, uma substantiva distinção onomástica.
Esta Prudência, a que Wim Mertens (1953) chamou Virtude (ver/ouvir poste-vídeo de 21/2/2016), na sua expressão musical singular, não sei se o será, imediata para mim. É certo que, por extremo, uma obra musical pode conter uma espécie de ficção, ou sugeri-la, em termos muito primitivos ou inconscientes, que nos despertam para emoções próprias, por associação longínqua de memórias, nem sempre explicável. Mas só por especulação eu posso interpretar esses silêncios cautelosos, entre os sonidos claros do piano, como uma espécie de hesitação, cuidado ou prudência (criativa?) do compositor belga, antes de se abandonar à sequência, mais livre, do resto da composição, sobretudo entre os minutos 1.08 e 1.47 da execução musical dessa obra referida.

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