domingo, 31 de agosto de 2014

A par e passo 104


A poesia é a ambição de um discurso que seja mais carregado de sentido, e entrelaçado de mais música, do que aqueles que a linguagem quotidiana pode conter ou trazer consigo. Nada é mais simples de conceber que o desejo de enriquecer indefinidamente esta carga de maravilhas, que se sobrepõe, ou se substitui à carga útil da linguagem. Mas este acréscimo tem limites que se atingem com dificuldade; o equilíbrio que é preciso manter com o leitor, entre o esforço que se exige e as forças com que é sugerido, obriga a que a proporção não se rompa. A obscuridade por um lado, a inanidade, do outro; o vago expressivo, o absurdo, a singularidade pessoal exagerada, todos estes perigos que não cessam de abeirar-se e cercar estreitamente as obras de espírito, ameaçando especialmente os poemas, e que os atraem com perigo para os abismos do esquecimento.

Paul Valéry, in Variété II (pgs. 180/1).

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