Às vezes, tenho a tentação de chamar aos irlandeses os latinos do Norte, embora celtas - suponho que não será difícil perceber porquê...
Quero voltar a abordar o discurso de Seamus Heaney, em Dezembro de 1995, quando recebeu o Nobel, em Estocolmo, porque ele é rico de conteúdo, e sábio pela simplicidade das palavras que proferiu. Nele conta 2 histórias, uma sobre caridade e amor, outra sobre a impiedade e o ódio. A primeira sobre São Kevin, frade irlandês que terá vivido entre o séc. VI e VII; a segunda história é sobre uma acção do IRA, nos anos 70 do século XX. A primeira narração pode muito bem ser uma lenda que, como tantas outras, ajuda a solidificar a imagem de um santo nos altares da Igreja católica. A segunda é real. Contá-las-ei pelas minhas palavras, e resumidamente.
São Kevin: a caridade. O Santo estava em contemplação e rezava. Deitou-se, olhando o céu, como em posição de crucificado, as mãos abertas. Veio um pássaro negro e, achando a mão macia e morna, lá poisou. O Santo apercebeu-se e ficou imóvel, sem se mexer. Poucos minutos depois o pássaro começou a pôr ovos na mão de Kevin e, quando acabou, voou para longe. O Santo aguardou, pacientemente, dias e semanas até os ovos abrirem e os passarinhos nascerem...
Segunda história: o IRA. Anos setenta. Um pequeno autocarro leva, para casa, um grupo de trabalhadores, depois do trabalho. A meio do percurso, um grupo de encapuzados manda parar o veículo. Estão armados de metralhadoras. Depois, abrem a porta e dizem: "Os católicos que saiam, todos!" No grupo de trabalhadores há apenas um católico que faz um gesto imperceptível para se levantar. Mas o vizinho, protestante como todos os outros, segura-lhe a perna, com força. Todos os trabalhadores pensam que os encapuzados são para-militares ("lealistas") protestantes e que querem matar os adversários. Apesar da cumplicidade silenciosa, o católico, talvez por orgulho, corajosamente, levanta-se e dirige-se para o grupo de mascarados. Estes mandam-no para trás deles e, em seguida, metralham todos os outros trabalhadores do autocarro - os encapuzados eram, afinal, do IRA.
Duas histórias díspares: a de amor e a de ódio!
ResponderEliminarGostei deste post mas prefiro a primeira história mesmo que seja uma lenda. :)
Há uns anos vi um documentário sobre a Palestina, na televisão. Ficou-me para sempre na memória a imagem de um hospital, imediatamente a seguir a um ataque suicida, o bombista a ser socorrido em simultâneo com as vítimas, as mesmas equipas médicas, os mesmos meios.
ResponderEliminarO ódio é um lugar solitário. E contra-natura também.
Meu Caro "c.a.":
ResponderEliminar"o ódio é um lugar solitário" merecia um poema.
E, embora eu não concorde totalmente (os IRAs e as ETAs são colectivos),ao abrigo do meu direito ao contraditório, a sua visita foi, como sempre, estimulante.