Foi pouco antes da Páscoa. Pouco antes das dez da noite. O Tio Lourenço telefonou de longe. Que não conseguia abrir a porta de casa da Irmã. Que ela não atendia o telefone. Estava a pensar ir à Polícia, para arrombar a porta, entrar e saber o que se passava.
Pedro regressou à sala onde a televisão estava ligada, e disse: "- Vou engraxar os sapatos, temos de seguir para o norte. Chico, vou levar-te a casa da tua mãe. Lígia, não te importas de fazer as malas?"
Pelo caminho, juntaram-se também a Fernanda e o João. Chovia. A noite foi longa, mas já perto da Cidade, na penúltima paragem do comboio, o amigo André veio buscá-los, aos quatro. Era uma força que vinha de longe, parecia que sempre estivera ali, à espera dele, fosse o que fosse que viesse a acontecer. E Pedro, perante o que já era inevitável, ganhou um alento inesperado. As relações com a Mãe nunca tinham sido pacíficas, mas isso era apenas o que sobra do lume: as faúlhas que desaparecem no ar, e se perdem. O incêndio fora sempre o mesmo, desde a infância: um ódio racional a equilibrar o amor natural.
Quando chegaram a casa, do grupo, um grupúsculo mais pequeno subiu com ele os dezanove degraus, até ao andar de cima. A luz, vinda da Penha, iluminava o rectângulo onde o corpo, em decúbito dorsal e inerte, permanecia. A força, a energia contagiosa, o desafio, a controvérsia e o movimento tinham, agora e apenas, um nome: nada. Um cheiro adocicado gravou-se, para sempre, na memória de Pedro. Depois, no alto do cemitério, virou-se para o filho mais velho e disse: "- Passaste à segunda linha. Eu, à primeira!". O sol, entretanto, abriu. As gotas da chuva perlavam as folhas dos ciprestes e cegavam de luz. Então, Pedro olhando, viu, no azul do céu, agora limpo e lavado, a primeira andorinha dessa Primavera.
Puxa!
ResponderEliminarDemasiado inverosímil para ficção pura.E se ficção, também sentida.
...fica um abraço que possa confortar um pouco.
E eu que só vinha desejar felizes páscoas, não cristãs nem hebreias, mas equinociais de renovação
Creio que será oportuno citar 2 versos de Archibald MacLeish (de "Ars Poetic"):
ResponderEliminar"...A poem should be equal to:
Not true."
Retribuo também os seus votos, Luís.