sábado, 17 de abril de 2010

Saúl Dias e a velhice nos poetas



Disse-o há dias, e mantenho. A poesia não é uma arte de velhice, embora haja (poucas) excepções: Sá de Miranda, por exemplo. Há muitos poetas de juventude: Régio, Gomes Ferreira, Alberto de Lacerda... Alguns, sem idade: Ramos Rosa, Herberto Helder. Muito poucos, também, da madurez, como Pessoa e Sena. E, um outro, esse estrangeiro que acabou a sua tarefa aos 21 anos, que foi Rimbaud. Claro que o traquejo de uma vida, em verso, dá balanço para uns trinados na velhice: Teixeira de Pascoaes. Mas é apenas um fiozito de água chilreante. Com alguma técnica que foi ficando de trás, à mistura. Enquanto a pintura se prolonga, em qualidade, até à morte - Picasso, Matisse, Resende, Pomar, para citar dois portugueses ainda vivos, felizmente. Ou os romancistas que, muitas vezes, escrevem obras-primas na velhice: Aquilino, Vergílio Ferreira, ou Lampedusa, para só referir alguns.
Mas eu queria falar de poesia, para chegar a um poeta que muito estimei e estimo: Saúl Dias (1902-1983), pseudónimo de Júlio Maria dos Reis Pereira. Não sendo um poeta de primeira linha, é talvez um dos melhores da segunda. Enquanto Régio, seu irmão, grita, esbraceja e aponta excessivamente (desculpem-me as metáforas!), Saúl Dias sugere, discretamente. E tem uma poesia muito simplificada e subtil, sensível e velada, elegante. Como se fosse de um Camilo Pessanha de segunda geração ("...E o gesto exangue e langue / dá cabriolas...O goivo / para mim é cor de sangue."), e ainda mais contido: "...- As tuas tranças, / quem as soltou e maculou de enganos?". Tenho para mim que Saúl Dias é um poeta de adolescência que escreve na idade adulta, com a paixão fria ou a voz medida, sobre o desvario juvenil dos sentimentos. Assim:

Música
ouvida
na paisagem de outrora,
sentida agora
tão intensamente...!

És bem a mesma
da perdida hora...!

E como és diferente...!


P. S. : para Luís, não por pirraça, mas à consideração...

6 comentários:

  1. Também gosto de Saul Dias, para já não falar do "nosso Chagall" que nos alegra logo o dia. Gosto imenso dos seus desenhos da série Poeta, sejam os coloridos ou os a p&b.
    Quando se falou aqui dele lembrei-me logo de dois desenhos, um dos quais este. Pode ser que coloque o outro no Prosimetron - ligam bem com a Primavera, embora hoje o dia...
    Bom dia!

    ResponderEliminar
  2. Faltou-me dizer que também prefiro (de longe!) a poesia de Saul Dias à de Régio. Mas há um livro de Régio que se encontra entre os meus preferidos: Histórias de mulheres. Se o top fosse Top Fifteen, lá estaria.

    ResponderEliminar
  3. Se os gostos literários se transmitissem pelos genes (alguns transmitiram-se...), eu seria uma leitora frequente da poesia de José Régio...

    ResponderEliminar
  4. Minha Cara MR:
    estou em total acordo consigo. Para mim, o Régio que foi leitura de juventude frequente, não me resistiu no tempo. O Júlio/Saúl, sim. Isto, em poesia. "Histórias de mulheres" é também, para mim,um grande livro de contos, na literatura portuguesa. Bom é também o "Jogo da Cabra-cega",mas como o "Húmus de Raúl Brandão, custa a ler...Um bom fim de semana para si! Cordialmente,
    A. S.

    ResponderEliminar
  5. Também gostei de ler o Jogo da cabra-cega, mas li-o uma única vez.
    Bom fim-de-semana, também.

    ResponderEliminar
  6. Mmm!Mmm! Até nem discordo, sobre o Mano velho. com muito dó de si e exibições à cristo.Terei de voltar ao Saúl. Estão num arquivo fundo.Mas que o Régio faz a feira...

    ResponderEliminar