quinta-feira, 22 de abril de 2010

Sinestesias : em sequência de Elgar


O poema "Violoncelo" é um dos mais conhecidos de Camilo Pessanha (1867-1926) e onde as sinestesias ("produção de duas ou mais sensações sob a acção de uma só impressão") mais se tornam evidentes. Ao inverso dos metais que melhor expressam sentimentos de júbilo ou alegria, o Poeta escolhe o violoncelo, à partida, para exprimir sentimentos que ultrapassam a tristeza ("pesadelo", 5ºverso). As arcadas (sobre o violoncelo) interligam-se a pontes para a sequência da água - tema muito recorrente em Pessanha - em múltiplos aspectos: "caudais de choro, rio, lacustres, blocos de gelo". Mas o melhor será que o poema fale por si.

Chorai arcadas
Do violoncelo
Convulsionadas
Pontes aladas
De pesadelo...

De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.

Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...

Trémulos astros...
Soidões lacustres...
- Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!

Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
- Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.

Nota : um aviso a quem tenha, da "Clepsidra", exemplares das Edições Ática. Na 4ªestrofe, 3ºverso, há uma gralha: "lemos" por lemes que é o correcto. Esta gralha deve ter-se perpetuado em sucessivas edições. É comum, pelo menos, nas edições que tenho: de 1969 e 1983.

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