terça-feira, 6 de abril de 2010

Por entre Bibliofilia e Mercearias Finas


Li hoje, com grande deleite, Regra e Estatutos da Ordem de Santiago, numa edição de 1548, impressa por Germão Galharde ( ? -1561?). Não só os caracteres tipográficos (góticos) são de grande perfeição técnica e estética, como o texto, em português antigo, supervisionado, seguramente, por D. Jorge de Lencastre (1481-1550), Grão-mestre da ordem, é de uma limpidez e escorreiteza singular admirável. Até aqui, história e bibliofilia.
Vamos lá às Mercearias Finas. Por entre os pecados capitais referidos na Regra e Estatutos ..., há, adequadamente uma caracterização e advertência à Gula. Para que, como pecado, seja evitado pelos cavaleiros da Ordem de Santiago. Reza assim

"Se pôs sua bemaventurança em comer e beber.
Se comeu e bebeu muitas vezes por deleitação.
Se por muito comer ou beber esteve doente.
Se bebeu de maneira a que saísse de seu sentido."
Ora pro nobis!
P. S. : para JAD, naturalmente.

12 comentários:

  1. Eu, pecador, me confesso...
    E um terno e guloso obrigado.

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  2. E também sofro do pecado da gula por livros... não bem bibliofagia, mas... amante dos ditos que muitas e muitas vezes me acompanham na cama...

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  3. Depois de ter feito uma longa e saborosa e sugestiva e laboriosa transcrição, um qualquer comando, errado ... e ela foi-se.
    Sem pachorra para insistir, deixo a sugestão:
    Karen Blixen - A FESTA DE BABETTE
    Para abrir o apetite: Amontillado, sopa de tartaruga, blinis Demidoff, Veuve Cliquot de 1860, cailles en sarcophage ...

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  4. Ó vós, Sábios Varões, que lá na Aldeia
    aos filhos lições dais de economia,
    e lhes ensinais que a uz duma bugia
    faz despesa maior que a da candeia:

    Vós, que ao lume comeis no inverno a ceia
    de caldo de unto e de batata fria,
    que tendes um rocim na estrevaria,
    e um Moço só que as hortas vos grangeia:

    Vós fazeis muito bem, poupai que é justo;
    Que um Fidalgo talvez se condecora
    em não causar aos seus credores susto.

    Poupai, e sese ilustres, muito embora;
    Mas querer Senhoria a pouco custo,
    isso se usa no Porto e não cá fora.

    Abade de Jazente

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  5. O rei (D.João II), como um senhor de alta inteligência, contenta-se com quatro ou cinco pratos à sua mesa; bebe unicamente água tirada do poço sem açúcar nem especiarias e passa só com isso. O príncipe seu filho bebe vinho misturado com água e come os mesmos pratos que seu pai mas em serviço separado.
    Os servidores da mesa(...) são geralmente dez indivíduos que estão de pé, segundo ordem, diante da mesa, e apoiam nela as mãos e os ventres, e o rei, como um humilde senhor, sofre essas grosserias.
    Debaixo da mesa, aos pés do rei, estão sentados seis a oito rapazes, e de cada lado (do rei)um, para enxotar dele as moscas, com abanos de seda. Com todos eles reparte o seu prmeiro prato de fruta quando a não pode comer toda. Se não há hóspedes convidados à mesa não se serve de facas; morde com os dentes, ou parte com as mãos o pão como o rei da Polónia, isso mesmo que tenha faca ao dispor. O filho do rei serve-se de uma faca à mesa. A refeição é servida a ambos em pratos e vasos ordinários, como se fossem príncipes de uma corte de pequena importância.

    Texto de um viajante polaco, Nicolau Popielovo, em 1484, trad. em espanhos de Garcia Mercadal

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  6. Obrigado, Luís,pelos seus comentários que vieram enriquecer o post. Já D.Duarte bebia o vinho "martelado" com água..Antes de Popielovo(que Fernando Cristovão abordou em "Um Cavaleiro «Europeu» perdido na Peninsula Ibérica:...)há relatos de Oswald de Wolkenstein (tem até uma poesia sobre a tomada de Ceuta-1415), Jorge Ehingen e, já depois do polaco,o relato de Jerónimo Münzer (1494/5), também, sobre a corte de D.João II (abordado "Voyage en Espagne et au Portugal"). A particularidade é que foi Valentim Fernandes, um dos primeiros impressores em Portugal (da Morávia) quem lhe serviu de ´"língua", ou seja, de intérprete.
    Espero ter contribuído com uma retribuição condigna com a sua visita. Cordialmente.

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  7. Mas, cuidado que "A gula mata mais do que a espada" (Herbert George dixit; este poeta viveu no século XVI, entenda-se).

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  8. Eis um poeta avisado...o que não é muito frequente...
    Obrigado pelo seu "apport", Miss Tolstoi!

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  9. Gostei do post e dos comentários.

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  10. "Em busca de aventura gostaria de partir,
    por montes e vales, sem voltar acasa..."


    Não é assim,Telmo Pais,não é assim que começa aquele poema que minha Mãe diz que não entendo?

    Cit.mem.

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