O lado insólito de poemas com números sempre me despertou interesse e atenção. Há-os nas "Poesias" do Abade de Jazente, e Alexandre O'Neill, pelo menos. Hoje, descobri um de Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) que andou por Macau, entre Outubro de 1789 e Março de 1790. Provavelmente, terá sido neste período da sua vida, que fez o soneto que se segue:
Um governo sem mando, um bispo tal,
de freiras virtuosas, um covil,
três conventos de frades, cinco mil,
Nh's e chins cristãos, que obram mal;
Uma Sé que hoje existe tal e qual,
catorze prebendados sem ceitil,
muita pobreza, muita mulher vil,
cem portugueses, tudo em um curral;
seis fortes, cem soldados, um tambor,
três freguesias cujo ornato é pau,
um vigário-geral sem promotor,
dois colégios, um deles muito mau.
Um Senado que a tudo é superior,
é quanto Portugal tem em Macau.
Não consta do meu livro. É «fotográfico», faz lembrar um postal. Não tem arrebiques, nem «ais», nem suspiros. Gosto, embora não faça ideia do que seja um «Nh's», nem, tão pouco, o que é um «ornato» de freguesia...
ResponderEliminarBoas perguntas,meu caro "c,a.", a que tentarei dar resposta, ainda hoje - estou em trânsito e longe dos meus elementos de pesquisa,vulgo "biblioteca".
ResponderEliminarMas o poema é engraçado.
ResponderEliminarFantástico, obrigada. Também faço as perguntas de C.A.
ResponderEliminarOrnato não seria os grandes da freguesia, normalmente os confrades? É um palpite... mas deve estar errado.
Para a Ana e "c.a.":
ResponderEliminarlamento não poder clarificar, com rigor, as dúvidas e perguntas que fizeram. Antes de mais o que posso dizer é que transcrevi o soneto da "Via Latina - Macau"/ Maio de 1991. Especulemos, um pouco:
1. o ornato de pau de 3 freguesias. A minha leitura seria que aquelas terras não tinham ornatos de pedra, ou seja, monumentos, igrejas...e, por isso, eram pobres.
2. os "Nh's( e chins)..." imagino que seria uma impressão auditiva bocagiana satírica da fonética cantonense. Parecida com a "linguagem meada de ervilhaca" de que fala Camões,na Carta da Índia, a propósito da voz das mulheres indianas.
Tenho pena de não poder ajudar mais...
Ajudou bastante. O que refere faz todo o sentido.
ResponderEliminarBocage é dos autores que mais dificuldade tenho em perceber, quer ao nível do vocabulário quer das referências. Não sei se será pelo facto do estilo lhe impor uma métrica perfeita, às vezes com sacrifício da clareza, ou então aquela necessidade(?) de mostrar erudição, que o leva a citar os clássicos, o certo é que são raros os sonetos que consigo entender a 100%. E correndo o risco de escrever um disparate, acho que é pena, porque me parece muito mais eficaz quando é directo, como, aliás, se vê neste soneto.
Lembrei-me agora, «Nh's» serão os mestiços?
ResponderEliminarSe vou medindo o verso em pé bizarro
ResponderEliminarcom 33 cm por pé
para ter uma milha,em boa fé,
faria longa estrofe e caso raro.
Se dividir os 1000 passos dessa milha
pelas 14 estações da via sacra
dá um moio de sonetos. Uma graça,
mas muito mais se fosse redondilha.
2º as contas era bom achado
pra quem se perde nesta medidagem.
1/2 de tentar outra abordagem
em 1 6ª em que estava enfastiado.
(Isto a propósito de "númaros")
Sugestão: santinho de pau ôco; de pau carunchoso; de roca
...ainda:
ResponderEliminarornato :aparato,equipamento, recurso, adereço
freguês:que frequenta paróquia
pau :mourão, poste, pelourinho;
violência
Obrigado pelos aditamentos e sugestôes.
ResponderEliminarPara "c.a.", particularmente e em relação a Bocage, se puder voltar ao post "E. M. Cioran,ainda", numa resposta à pergunta que MR faz, creio que encontrará ideias próximas das suas.
Tem razão. Obrigado.
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