domingo, 15 de maio de 2016

Da incompletude


Tem-se rodeado de alguma polémica uma recente e ambiciosa exposição, em Nova Iorque, intitulada Unfinished: Thoughts left visible. A mostra abarca diversas obras inacabadas que vão desde pinturas de Leonardo da Vinci a Picasso, passando por Van Eyck, Rembrandt, Turner e Cézanne, entre outros mestres.
O mote para esta exposição partiu de uma citação  de Plínio, o Velho, que, na sua obra História Natural, refere, mais ou menos, o seguinte: "...um facto pouco comum, mas memorável, são as últimas obras de um artista, inacabadas, que acabam por ser mais admiradas do que as que foram terminadas, porque naquelas se podem ver os traços preliminares e descortinar as intenções do pensamento do artista." Esta citação poderia aplicar-se a Da Vinci, sobretudo, ao quadro incompleto S. Jerónimo, que seria um bom exemplo.
Tenho alguma dificuldade em aceitar este postulado, que me parece excessivamente dogmático, considerando até o facto de saber-se que algumas pinturas (abandonado o tema original) foram pintadas por cima, com motivos divergentes dos iniciais. Mas Patrick McCaughey (TLS nº 5901) refere ainda, a propósito da inacabada Rue en Anvers-sur-Oise (1890), de Van Gogh, onde o  céu não foi completamente pintado: "Todos poderão reconhecer a veemência do trabalho de Vincent van Gogh, cujas pinceladas muito marcadas de azul parecem ter a força de marteladas que imprimissem na tela, a fresca revelação do poder e paixão do Pintor."
Mais convincente esta afirmação, mesmo assim deixa-me dúvidas.




6 comentários:

  1. Não sei se as frases são verdadeiras ou não, mas gostava de poder ver a exposição. Rima e é verdade!
    O que tenho (quase) a certeza é que há muitas pinturas em que o esboço e os estudos são tão ou mais interessantes (e belos) do que a obra final. Acho que depende dos casos...
    A primeira pintura que coloca aqui é de Picasso, certo? Bom Domingo!

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    1. De Picasso, sim senhor. E de finais dos anos 40.
      Bom final de Domingo!

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  2. Acho que uma coisa é um esboço ou um estudo, outra uma obra inacabada. Gosto de ver os primeiros; obras inacabadas nem por isso, como o quadro de Da Vinci que refere.
    A pintura de Picasso devia ter a ver com a Guernica. ou não? A mãozinha...

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    1. É posterior à Guernica e tem a ver com o Holocausto. De título, qualquer coisa como "Matadouro"...

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  3. Curiosa simetria. Curiosas palavras, estas. Numa posta recente preferi usar "completitude ", que complementa bem o seu "incompletude".

    Da mesma forma, o quadro de Van Gogh (cujo céu não me parece inacabado...) lembrou-me de uma BD, o inesquecível "L'espace bleu entre les nuages", de Bernard Cosey. Nesse caso, temos um quadro (que se julgava perdido) de Claude Monet, em que, no meio de nuvens ameaçadoras (mais negras do que brancas), se vislumbra um pedaço de céu azul.

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    1. De algum modo, poderia estar certo, porque o azul, muitas vezes, se completa com o branco, no céu. Muito provavelmente, Van Gogh "arredondaria", numa fase posterior que não houve, a força agressiva das pinceladas azúis... Mas quem é que pode garantir, com rigor?
      Não conheço a BD de que fala.
      Mas vejo a incompletude mais como um desafio à imaginação do que seria ou podia vir a ser. A "Vénus de Milo" parece-me um bom exemplo.

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