segunda-feira, 9 de maio de 2016

A par e passo 166


E aqui vai a contraprova da nossa pequena experiência: se, numa sala de concertos, enquanto se ouve e domina uma sinfonia, acontecer uma cadeira cair, uma pessoa tossir, ou uma porta fechar-se com ruído, nós temos de imediato a sensação de uma ruptura. Que perturba, concretamente, pelo seu quê de indefinível, a natureza do encanto de um cristal de Veneza que de súbito se quebrou...
O universo poético não é tão poderoso ou tão facilmente assim criado. Ele existe, mas o poeta está privado das imensas vantagens que possui o musical. Embora ele tenha à mão os meios necessários para sua arte. No entanto, ele terá que pedir de empréstimo a linguagem - a voz pública, essa colecção de termos e regras tradicionais e irracionais, bizarramente classificados e transformados, e muito diversamente entendidos e pronunciados. (...) Nada de puro: mas uma mescla de excitações auditivas, psíquicas, perfeitamente incoerentes. Cada palavra é uma mistura instantânea de um som e de um sentido, cuja relação, à partida, não existe entre eles.

Paul Valéry, in Variété V (pgs. 146/7).

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