Se os livros têm códigos morais, eu terei talvez praticado uma boa acção, porque salvei um livro da guilhotina, ou que teria sido, poucos dias depois, vendido ao quilo para ser desfeito e se transformar em pasta de papel, voltando às origens. Mas fi-lo também em meu grande proveito (de leitura), não havendo, porém, qualquer oportunismo prévio ou interesse antecipado. Comprei-o porque gosto de Bestiários, sobretudo. E o livro, com a capa não muito limpa, estava na última prateleira do Alfarrabista, rente ao chão, naquilo que eu chamaria o corredor da morte: se ninguém lhe pegasse por 1 euro, dentro de 2 ou três dias seria vendido para o papel velho. Em boa hora o libertei e veio a ser minha última leitura de 2015 e primeira de 2016, muito agradavelmente. Já aqui (Arpose) falei dele, ao traduzir e transcrever um passo do texto de Georges Duhamel (1884-1966), que apelidei de litania (ou ladaínha). Agora, é uma espécie de fábula panteísta, que o escritor francês narra, tendo, como ponto de partida, Montaigne (1533-1592) e a sua descendência. Aqui vai:
"Montaigne não teve senão filhas e nunca se consolou do facto. Parece mesmo que, aqui e ali, se interrogou sobre as razões do que ele pensava ser uma desgraça.
O jardim, que eu consulto sobre o caso do nosso autor, propõe-me uma resposta e eu vou transcrevê-la fielmente: «O Vosso Montaigne - diz-me - viveu muito feliz, numa abundância constante de bens. Veja bem, aqui pelo jardim, as abóboras sofrem, ao longo do Verão dramático, por toda a estação seca. Elas não produzem senão flores masculinas. Mas, logo que cai uma leve chuvinha, as abóboras lá se aventuram a gerar uma flor fêmea. Era a água do céu que lhes faltava. É a garantia da prosperidade, da esperança, do futuro. Quando somos generosos para com as fêmeas, é porque estamos plenos e temos confiança.»
Relato assim, sem comentários, a reflexão do jardim."
Vêm estas palavras na página 120 de Le Bestiaire et l'Herbier, de Georges Duhamel, sob o número LXXIII e com o título Explication Rustique.
para H. N., se mais não fora, porque gosta de Montaigne...
Vêm estas palavras na página 120 de Le Bestiaire et l'Herbier, de Georges Duhamel, sob o número LXXIII e com o título Explication Rustique.
para H. N., se mais não fora, porque gosta de Montaigne...
Eu também gosto de Montaigne e ando a abalançar-me para comprar uma biografia que saiu sobre ele. Só que tenho andado a ler livros do monte e da prateleira das 'novidades' (cá em casa, porque algumas são velhas). Só depois de desbastados é farei mais compras.
ResponderEliminarPois, eu também precisava de "desbastar as minhas torres", que bem altas estão... O Duhamel é que já foi todo lido.
EliminarBoa tarde!
Acho uma pena que se destruam livros...
ResponderEliminarE continuo a invejar as oportunidades aí por essas bandas: 1 euro! Quem me dera poder ir aí de vez em quando!!
Desejo-lhe um bom fim-de-semana:)
Estas novas Editoras não suportam fundos, a Leya, por exemplo, quando comprou a Caminho, foi um ver se te avias - parecia a Revolução Francesa: guilhotinou Saramago, Mª Velho da Costa e muitos outros...
EliminarVotos, também, de um bom fim-de-semana!