domingo, 31 de janeiro de 2016

As cidades e as serras


A actual ficção portuguesa é, retintamente, urbana. Talvez pela negativa. Houve tempo em que eu pensava que, prosa e poesia, lusas, seriam eternamente bucólicas, campestres, verdejantes ou acastanhadas pelo Outono. Mas o neo-realismo excedeu as medidas, saturou, numa obrigação ideológica que pouco tinha de natural. Entretanto, as populações foram abandonando o campo e as serras interiores, para os trocarem pela terra prometida das cidades. Seminários e Escola do Exército (Academia Militar) forneciam, também, o trampolim necessário ao desígnio dos mais ambiciosos e inteligentes, embora fatidicamente pobres: assim, Aquilino, assim, Vergílio Ferreira...
Ficaram, no entanto e actualmente, em alguma da literatura portuguesa, vestígios residuais: um lado muito provinciano de ver a vida, um apetece-me estar em paraísos artifíciais, uns piercings caracterizantes de mais nada, um ronceiro hábito de cafés cosmopolitas, uma fome de séculos, uma miopia de civilização natural, um lado patego e irreal de imaginar as metrópoles mais emblemáticas. E uma enxúndia barroca de palavras que ainda cheira a estrume e folhas mortas, na sua origem, agora artificial, irrealista, irrelevante. Porque não era assim, dantes, nem lembrava o falso, quando de cenários se falava, ou de viver se escrevia.

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