Há muito que a leitura de um conjunto de avaliações críticas, sobre literatura e autores portugueses, não me dava tamanho prazer. O que hoje se faz, tirando um reduzido número de críticos que se poderá contar pelos dedos de uma mão, é uma espécie de reprodução das badanas, sem critério algum e muito menos conhecimento de história literária. Para não falar da proliferação de blogues pretensamente literários, encapotadamente pagos por editoras, ou que se vendem na miserável e mediocre esperança, pequenina e paroquial, de receberem uns quantos livritos, como recompensa do seu frete pindérico e mercenário. Daí eu não me admirar de tanto sucesso literário conseguido por esse trabalho de sapa e pela eterna ausência maioritária de sentido crítico de grande parte dos ledores portugueses. Análise ou crítica literária, hoje e em Portugal, quase não existe: é como procurar agulha num palheiro...
Por isso este Régio, Casais, a «presença» e outros afins, de Jorge de Sena, publicado em 1977, me está a dar tanto prazer de leitura. Com o sabor de reencontro de uma voz amiga, sólida, que nos chega do passado, nos enriquece, nos faz pensar e nos traz a visão lúcida de quem sabia ler e distinguir a qualidade. Aqui vai um bocadinho de um dos textos de Sena:
"...Para muita gente, Régio atingiu sempre uma altitude espiritual que Torga não pode disputar-lhe; como, para outra, Torga possui uma humanidade imediata, feita de espontaneidade vital, de rudeza «telúrica», de vivência das serranias, que Régio não abarcava. O religiosismo de Régio, num país onde a poesia de índole religiosa descera ao nível das cantigas de sacristia, repugnou sempre à onda do livre-pensamento, e suscitou sempre desconfiada antipatia dos católicos - e daí que a sua consagração tenha, em grande parte, advindo dos meios universitários de tradição positivista ou agnóstica, que são hipóstases de uma análoga atitude da burguesia prudente que, por outro lado, encontrou, em Régio, e sem compromissos, as alegorias e símbolos da sua educação católica. E a pretensa espontaneidade de Torga oferecia ao anticulturalismo dos anos 30 e 40, um sabor da terra, de primitivismo, de força viril e exterior, que fazia esquecer quão obsessivamente individualista ele é também, fechado, tanto como Régio, na contemplação menos da personalidade profunda que da exemplaridade genial do indivíduo eminente. Que ambos poderiam ter existido sem Pessoa ou Sá-Carneiro até tecnicamente - apesar da maestria indiscutível de ambos - é quase inteiramente a verdade: e tão verdade que, tanto um como outro, foram sempre, até hoje, muito reticentes em proclamar em público a grandeza de Fernando Pessoa. ..."