sábado, 30 de maio de 2015

Divagações 89


Um livro é, à partida, um objecto sério. O que lá está, por princípio, conta com a nossa credibilidade e confiança. A menos que contenha uma teoria filosófica ou literária, de que discordemos, a adesão é quase sempre perfeita e leal. Mesmo assim, atribuímos a essa exposição do autor uma sinceridade própria, um valor em si. Para um leitor, há nessa demonstração argumentativa uma solidez e uma verdade, mesmo que possa ser alheia à dele.
Porque o que não se escreve corre o risco de perder-se para sempre. O que Pina Martins não disse de Sá de Miranda, mas provavelmente sabia, talvez não seja nunca mais descoberto ou encontrado. As partituras, a escrever, de Schubert, interromperam-se para sempre, pela sua morte prematura. Os poemas maduros e livres que Herberto Helder poderia ter escrito, se tivesse tido mais dois ou três  anos de vida, deixaram de ser uma probabilidade humana.
Mesmo numa comunidade de tradição oral, há sempre muita da sabedoria conquistada que desaparece com o fim do sábio transmissor. Por isso me parece justa e sugestiva a referência que Erik Orsenna (1947) faz sobre um preceito africano que diz, mais ou menos, isto: Quando um velho morre, é uma biblioteca que arde.

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