Por entre as vicissitudes da diáspora e o pequeno meio editorial lisboeta dos anos 60 portugueses, surge esta correspondência, entre José Rodrigues Miguéis (1901-1980) e José Saramago (1922-2010), que começa por ser quase só de teor comercial, mas que se vai alargando para os limites das letras e chega a atingir o tom cordial da amizade. Director (?) literário da Estúdios Cor, Saramago vai dando notícias, números de venda e enviando cheques (direitos de autor) a Miguéis que, em Nova Iorque, quase sempre amargurado e sedento de novas do seu país, apesar do sucesso das suas obras (Leah, Escola do Paraíso...), lhe vai dando conta da sua via crucis, por terras americanas. A correspondência cessa em 1971, altura em que Saramago se demite da Editora, quando os donos lhe impõe, como chefe e directora literária, a escritora Natália Correia.
A franqueza entre os dois predomina, nesta conversa de homem para homem, pese embora alguma reserva de Miguéis, nas suas cartas iniciais. Saramago é mais frontal, chega a desabafar, por vezes:
"...Espero com o maior interesse o seu artigo sobre o Raul Brandão, que é uma das maiores e mais velhas admirações minhas em literatura. Um livro como o Húmus, por exemplo, como é possível que tanta gente o ignore? Não percebo, palavra. Falava o Régio, já aqui há uns tempos, no mau gosto de certas passagens. Bolas! Sempre gostava que me dissessem onde há, nos livros do Régio, às vezes duma pieguice muito professor-de-liceu-em-cidade-de província, algo que iguale em ternura aquelas «mãos como cepos» da Joana, dessa criação única da nossa literatura que é a mulher da esfrega! Quantas vezes exprimiu assim a frustração um escritor português, uma frustração que nega até o direito a sonhos próprios?... Assim estamos nós, descendentes de Afonso Henriques e Albuquerque, de Cabral e Camões... Desculpe o excesso de a-propósito da ironia!..." (pg. 106)
Editado em 2010, é um livro que vale a pena ler, até porque nos traz, ressuscitado, o panorama literário de Portugal, que se vivia nos anos 60 do século passado.
Editado em 2010, é um livro que vale a pena ler, até porque nos traz, ressuscitado, o panorama literário de Portugal, que se vivia nos anos 60 do século passado.
Num colóquio por altura do centenário de Miguéis, Saramago fez uma intervenção sobre esta correspondência e prometeu que ela seria publicada. Tenho de a ler!
ResponderEliminarCumpriu a promessa...
EliminarVale a pena: lê-se muito bem, de rajada.