Logo que morre um grande homem, de imediato, como a própria carne que se altera bruscamente também a própria ideia que ele dava de si mesmo se vai modificando. As forças da sua presença viva faltam logo. A morte deixa o morto sem defesa contra aquilo que ele parecia ser. Os medos reverenciais desaparecem. As recordações (e temos de pensar que nem sempre são as mais dignas) saem das memórias maliciosas; reformulam, devoram o que seria de esperar do valor, dos méritos, do carácter do ausente. Produz-se uma espécie de abuso da verdade que não é mais enganador do que os fragmentos. Cada parcela do real alaga o espírito e excita-o para que produza uma falsa personagem.
Paul Valéry, in Variété IV (pgs. 22/3).
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