domingo, 10 de maio de 2015

T. Transtörmer, poema sobre um Portugal antigo


Lisboa


Os eléctricos amarelos pareciam cantar subindo Alfama.
Duas prisões havia. Uma, para os ladrões.
Que acenavam com as mãos por entre as grades.
Gritando que queriam ser fotografados.

«Mas aqui," disse-me o cobrador hesitante, como a fazer troça,
«é aqui que metem os políticos». Eu olhei a fachada, a fachada
contínua, e lá em cima, na janela, um homem
com um binóculo contemplava o mar.

A roupa branca secava pelo céu. As paredes ardiam.
As moscas pareciam decifrar letras minúsculas.
Seis anos mais tarde, perguntei a uma senhora de Lisboa:
«Era mesmo assim, ou terei sonhado?»


Tomas Tranströmer, in Klanger och Spär (1966).


para H. N., por razões óbvias.

2 comentários:

  1. Não conhecia este poema e gostei muito.
    Em 1966 o Aljube já estava desativado.
    Bom dia!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Provavelmente, TM viajou no 28. Passou pela António Maria Cardoso e pelo Aljube, para chegar a Alfama, O poema, do livro que foi publicado em 1966, escrito antes, necessariamente, confere com a sua achega, portanto. Também gostei deste poema.
      Seria interessante, um dia, fazer uma antologia de poetas estrangeiros que dedicaram poemas a terras portuguesas, O arquivo do Arpose regista 3, pelo menos: um do Auden, sobre Macau, outro de Manoel Barros, e este de Tranströmer...

      Eliminar