Quando, para nomear um objecto, situação ou qualidade, desconhecemos a palavra exacta que os caracteriza, somos obrigados, perante um interlocutor, a dar a volta através duma frase explicativa, para os definir e descrever. De uma forma geral, o vocabulário campestre ou rural é mais rico, sobretudo pela precisão e sabedoria com que abarca as diferentes espécies de fauna e flora, os trabalhos e utensílios agrícolas, a vida natural, no seu todo. Em contrapartida, o léxico urbano será mais complexo, apenas nas vertentes tecnológicas e industriais, tendo uma componente mais acentuada sobre o futuro, com constantes actualizações. O vocabulário rural repousa mais no passado e na tradição, correndo sempre o risco de se ir perdendo, à medida que o nosso conhecimento se vai, também, reduzindo.
O menos que se poderá dizer de um escritor regionalista ( e este adjectivo é, muitas vezes, um labéu) de qualidade, é que ele nos enriquece o vocabulário e alarga os conhecimentos sobre as coisas da terra, mesmo que sobre zonas circunscritas e localizadas, geograficamente. Ora, deste livro (em imagem) emprestado pelo meu amigo H. N., que aborda, sobre vários aspectos, Camilo, pela pena ampla de João de Araújo Correia, esta obra, repito, à medida que a ia lendo, ia anotando, num papelinho, palavras que eu desconhecia. Cheguei ao fim, com nove interrogações escritas, das suas 149 páginas de prosa rica e luxuriante. Depois fui consultar dicionários, até de regionalismos. E dessas nove dúvidas, duas ficaram ainda por esclarecer. Serão gralhas da impressão? Duvido, francamente.
Por aqui deixo a lista das palavras (em itálico) que anotei. Com localização da página do livro e respectiva significação que apurei (ou não):
1. "...correr à desmedrina..." (pg. 20) - significado desconhecido.
2. "...rapaz esterlinto..." (pg. 21) - significação obscura.
3. "...as suas cobertoiras..." (pg. 68) - tampas ou coberturas.
4. "...da molhelha, cuja arquitectura..." (pg. 68) - almofada.
5. "...que azanga do mesmo Tâmega..." (pg. 80) - azangar = lançar mau olhado ou agouro.
6. "...Tirou-os da vesícola e do colédoco..." (pg. 91) - canal que conduz a bílis ao duodeno.
7. "...e outras cavadias..." (pg. 113) - escavações, sulcos.
8. "...até o tílburi vaporoso..." (pg. 129) - carrinho coberto, com 2 lugares (inventado por Gregor Tylburi).
9. "...nugas literárias..." (pg. 134) - bagatelas.
Nota pessoal: se alguém me souber esclarecer o significado das palavras 1. e 2., agradeço.
Raios partam! E eu que fiz a minha educação secundária na Escola João de Araújo Correia... Mas já coloquei a dúvida aos especialistas que conheço...
ResponderEliminarClarom que, por via disso, vai ter mais visitantes no blogue oriundos do Alto Douro. Veja lá se os trata bem!
ResponderEliminarAqui vai:
ResponderEliminarRapaz esterlinto, ou estrelinto, quer dizer irrequieto.
Correr à desmedrina quer dizer ao deus dará, desamparado.
Para outras dúvidas, sobretudo ligadas a escritores de Trás os Montes e Douro, recomendo o dicionário de António Manuel Pires Cabral "Língua Charra", em dois volumes.
Grato lhe fico, pela solução dos dois mistérios lexicais (e transmontanos).
EliminarOs transmontanos e, em particular, os altodurienses são sempre bem-vindos, ao Arpose.
De A. M. Pires Cabral tinha notícia do livro, mas não o possuo - fica apontado!
Uma boa noite!
Salve...
ResponderEliminar'Azangar' não está bem, é transpor, passar, ultrapassar.
'Molhelha' não é bem uma almofada, é uma peça (duas, aliás, na junta; i.e. no par) do apeiro, almofadada sim, que se coloca na cabeça do animal bovino, aposto ao carro ou arado.
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Deixo aqui, do meu dic.
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azangar (v.tr.)
1. Transpor, atravessar, galgar.
2. Ultrapassar, passar à frente.
3. (o burro deitou a fugir, azangando corgos e barrancos).
4. (tu não me azangas, por muito que corras).
- Cabral (azangar/zangar); Houaiss; http://www.priberam.pt/dlpo/azangar
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molhelha (s.f.)
1. Objecto do apeiro do carro de bois, espécie de almofada.
2. Coloca-se na cabeça do animal, para suportar o jugo e atar a soga.
3. Cabeleira comprida, a precisar de corte; murça, lã, guedelha (fig.).
4. <Lat. ‘mollicula’ (moles, coisas moles)? Ou ‘molilla’ <’mollis/e’ (mole, macio)?
5. (digo a molhelha do apeiro do carro, mas devia dizer do apeiro das vacas, peça essencial para jonguer e apor as ditas vacas, também ao arado, por exemplo).
- Houaiss; Ribacoa; http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/molhelha
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Do JAC, recolhas de vocabulário, mais extractos:
http://ruadaspretas.blogspot.pt/search/label/Jo%C3%A3o%20Ara%C3%BAjo%20Correia
Muito obrigado, meu Caro, pelas informações detalhadas e achegas que trouxe ao poste. Na minha procura, consultei Houaiss, Pedro Machado e até o "Elucidário" de Viterbo. Não esgotei os dicionários cá da casa, mas achei que, para o assunto, eram os essenciais. Ainda folheei o "Dicionário de Transmontanismos", sem resultado para as duas incógnitas teimosas...
EliminarUma boa noite!
Volto, só para dizer que não me convence a 'desmedrina' (resposta da Tertúlia JAC), que eu nunca tinha visto...
ResponderEliminarDiria, na minha ignorância, que tem a ver com 'desmedrar' (var. de 'medrar' - crescer, espigar, desenvolver), donde já poderia adivinhar-se-lhe o sign.
Dic. bom, neste domínio e em outros, o Aulete, em linha. Os termos arrevesados do Aquilino, Camilo, etc. estão lá todos.
Grande abc
Fique, embora, a dúvida...
EliminarNão fora tarde, na vida, e eu procuraria comprar o Aulete, mas com tantos dicionários, que já tenho em casa, seria um luxo guloso. Mas até pode ser que ele se me atravesse no caminho e, então...
Saudações cordiais!