sábado, 25 de outubro de 2014

Divagações 75


O romancista norte-americano Stephen Crane (1871-1900) que, no fervor da criação literária costumava embrulhar a cabeça com uma toalha húmida, justificava-se dizendo que era "para arrefecer a maquinaria". O autor de The red badge of courage (1895) preocupava-se, e muito, com a qualidade da sua obra. E exercia, sobre ela, uma permanente auto-crítica.
Com alguma frequência, temos a tentação de atribuirmos à nossa própria vida tons de fantástico e extraordinário, como se de uma saga se tratasse; quando não lhe atribuímos, empolgados, qualidades de uma epopeia, por pequenos factos acontecidos, no fundo, bem comezinhos...
Quando usamos o plural, e ainda que não demos conta, estamos, muitas vezes, a generalizar excessivamente. Obrigando os outros, pela força narrativa e egocêntrica, a acompanhar-nos, sem lhes darmos o direito natural de qualquer outra opção, ou de poderem desertar e sair desse passado ou dessa história, que é, fundalmente, nossa. A menos que esse plural seja o majestático e, aí, devemos ser ainda mais cautamente parcimoniosos, no seu uso, por modéstia, dimensão e realismo objectivo e prático.
(Repare-se na utilização do plural, primeira pessoa, no segundo e terceiro parágrafos...)

2 comentários:

  1. Vi o filme de John Huston, mas nunca li o livro. Stephen Crane morreu jovem.

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    1. "Glória de um cobarde" (creio que era o nome do livro, em tradução portuguesa) li-o na juventude, com grande gosto. O filme é que não vi, nem me lembrava.

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