terça-feira, 28 de outubro de 2014

A par e passo 112


O espírito aborrece os agrupamentos; ele não gosta dos partidos; sente-se diminuído pela concordância dos espíritos: parece-lhe, pelo contrário, que ganha qualquer coisa no seu desacordo com eles. Um homem que tem necessidade de pensar como os seus semelhantes tem talvez menos espírito do que aquele a quem repugna a conformidade.Além disso, sabe-se que todo o acordo é instável. Sabe-se que a divisão atinge todos os grupos: o cisma, a objecção, a distinção, são para o espírito um sintoma de vitalidade que nunca tarda a produzir-se após um acordo alcançado. O espírito retoma assim a sua primitiva liberdade; ele levanta-se contra todos os factos, contra a evidência; ele é por excelência o rebelde, mesmo quando ordena. E isto porque concebe, primeiramente, que aquilo que é como uma desordem que é preciso que acabe. Mas, no mundo actual, não é necessário empregar grandes esforços para encontrar onde usar o seu instinto construtivo. O teatro político fornece-lhe temas infinitos.

Paul Valéry, in Variété III (pg. 214).

2 comentários:

  1. Já Ptolomeu dizia que «da discussão nasce a luz», logo a discordância é fundamental para que isso aconteça.
    O que acontece é que o consenso (tão falado hoje) mata a discussão e não é nada. Por que não hão-de as pessoas discordar? Um acordo não é um consenso.

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    1. A pertença a grupos (ou partidos), embora favoreça a segurança e propicie o conforto, comporta sempre constrangimentos e restrições à liberdade pessoal - é assim que penso a questão. E, por isso, sempre tive relutância em "fazer-me membro" de agremiações.

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