quarta-feira, 13 de agosto de 2014

O regresso da "madalena" de Proust


Quando saí do restaurante à beira da estrada, seriam aí umas 13h50, lembrei-me de contar tudo isto mas, na altura e para melhor me situar, teria de citar a "Toada de Portalegre", de José Régio, pareceu-me pseudo-erudito demais, e desisti da ideia de o narrar, aqui no Arpose. Até que, ao entrar em casa, disse para comigo: tens toda a tarde, para pôr isto por escrito, ó Alberto! Não te chega?!

Das memórias sensoriais, talvez a das imagens e do olhar seja a mais fiel e longeva. Da táctil, alguma coisa nos fica, de áspero ou macio, ao menos, bem como da auditiva, embora se torne bem difícil trazer à recordação uma voz de alguém que já não ouvimos há muito, porque desaparecida. Mas eu diria que a memória dos cheiros e sabores é ainda mais caprichosa, por ser imaterial e evanescente.

Quando a travessa do entrecosto grelhado me chegou à mesa, estava eu a acabar de ler, no TLS, um artigo em que se falava do "mercantilismo", palavra que, criada no século XIX por um historiador, é das poucas que a linguagem corrente, os economistas e os políticos adoptaram; até porque estes dois profissionais raramente aproveitam as lições da História - e têm-se visto os resultados...

Pois do lado direito da travessa, que me trouxeram nesse restaurante à beira da estrada, brilhavam e distinguiam-se, amarelinhas de dourado e apetitosas, as batatas fritas do acompanhamento. Assim irresistíveis, peguei em duas delas com os dedos, antes de me servir, e levei-as à boca. Crocantes e muito bem fritas, o seu sabor fez-me recuar até ao longínquo Verão de 1963.

Nesse Agosto já distante, quase diariamente, quando eu desembarcava na estação de comboios de Bona, vindo de Witterschlick, creio que por volta das 17h30, ao sair, numa esquina e em direcção à Tillmannhaus, não deixava de comprar um pequeno pacotinho de batatas, fritas na altura e à vista de quem passava. Que traziam um minúsculo garfo de plástico e que custavam, julgo eu, meio marco alemão.

Essas batatas fritas, e as de hoje, pareceram-me gémeas, na memória do sabor. Inesperadamente, se replicaram no tempo, por um feliz acaso.

2 comentários:

  1. Às vezes - muitas vezes - um sabor, uma cara, uma situação, levam-nos anos atrás para acontecimentos semelhantes.

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    1. É verdade, pequenas coisas de que a gente nem suspeita...

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