domingo, 23 de fevereiro de 2014

A par e passo 80


Eu assisti à desaparição progressiva de seres humanos excessivamente preciosos para a formação regular do nosso capital ideal, tão importantes como eram os próprios criadores. Vi desaparecer, um a um, estes  conhecedores, estes amadores insubstituíveis que, embora não criassem por obras, faziam prevalecer o valor das obras de outros; eram juízes apaixonados, mas incorruptíveis, para os quais ou contra os quais, era bom trabalhar. Eles sabiam ler: virtude que se foi perdendo. Eles sabiam entender e mesmo ouvir. Sabiam ver. Isto é, aquilo que eles reliam, que reapreciavam ou reviam, constituia-se, por sua vez e por isso, em valor sólido. (...) A vida intelectual e artística mais desinteressada e mais ardente era a sua razão de ser. (...) Hoje, as coisas avançam muito depressa, criam-se reputações rapidamente, mas também se desfazem com rapidez. Nada se torna estável, porque nada se faz para ser estável.

Paul Valéry, in Regards sur le Monde actuel (pgs. 280/1).

2 comentários:

  1. vivemos em aceleramento (ou aceleradamente) mal dá para viver, reviver só em utopia se houver tempo para ela.

    ResponderEliminar
  2. Com a idade, acaba por se arranjar tempo para alguns regressos..:-)

    ResponderEliminar