sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Os dentes e a alegria


Embora o magistério de Guimarães Rosa seja notório por entre estas palavras de Mia Couto (1955), do pequeno conto "A sombra sentada", aqui ficam algumas linhas que não desmerecem o Mestre. Seguem-se:

"...E riu-se, mostrando a boca desguarnecida. Corrigiu o riso com as costas da mão.
- Os dentes me faltam só para rir. Se mesmo tivesse os todos, já nem tinha serviço para dar-lhes. Agora engulo o quê? Saliva só, mais nada.
E explicou-se: a vergonha do riso. Alegria deve ser mordida, enrolada. A alegria pede a letra erre. Rir sem dentes é como beber cerveja sem espuma. Desta vez fui eu que sorri.
- Estou a falar - disse ele. - Qual é a competência do riso desdentado?..."

Mia Couto, in Cronicando (pg. 12).


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