terça-feira, 1 de abril de 2014

Osmose (46) : com Cioran


Não chega a ser infelicidade, mas este cinzento contínuo, esta chuva que não pára, criam um estranho desconforto, a que o frio físico, intermitentemente, se associa. Só um inquebrantável optimismo pode fazer pensar positivo, porque no melhor dos casos, como a humidade, uma acédia ou melancolia vão-se insinuando no espírito, como a chuva vai ganhando corpo com a roupa, se saírmos.
Por isso, da leitura dos Cadernos de E. M. Cioran, se me destacam, de 4 ou 5 páginas, dois parágrafos, numa evidência mimética, quase inconsciente:
"...Dieppe, por volta da meia-noite, sob chuva: nas ruas desertas, visão de romance negro. Quase se tem medo, e se tem prazer de ter medo, tanto as sensações ressumam da literatura.
(...)
Chove. Este barulho regular no silêncio da noite tem o seu quê de sobrenatural. Pergunto-me o que faria se todos os seres desaparecessem e eu fosse o único sobrevivente. Creio que continuaria. ..."

8 comentários:

  1. Caro APS,

    Não será melhor verificar o nível de Vitamina D? Aprendi, às duras penas, que não se deve descurar esta linda menina. Fica o alerta amigo.Boa noite!

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  2. Grato pelo conselho amigo.
    De qualquer forma, já comecei a "recarregar" com a Aleluia, de Buxtehude..:-)
    Boa noite!

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  3. Caro APS, sendo para mim certo, além do meu bocejo diante do predominante pessimismo em redor, que talvez não seja, em absoluto, improfícuo acreditar no pior possível, talvez diante de alguma lucidez, como a do triste Cioran, alguns possam deduzir algo de positivo e reverter minimamente caminhos que apenas parecem confirmar o desastre eminente.

    Seja o for, o que vier a ser, é para mim uma certeza ainda mais absoluta, que, nos tempos que correm, propagar um sentido de desgraça ao virar da esquina, vai sendo apenas útil aos poderes que sufocam a maior parte de nós, exactamente aqueles que buscam para si o maior lucro, tentando convencer os demais da inevitável derrota de cada um.

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    1. Concordo, caro JQ, com a razão das suas palavras. Reúnem-se, por vezes, condições (exteriores e interiores) para a penumbra que parece ir envolvendo, cada vez mais, este futuro português.
      Por estranho que pareça, a leitura de Cioran pode ser, também, um antídoto que faça despertar as nossas defesas mais íntimas e essenciais, para lutar contra este estado de coisas, e nos ajude a manter algum equilíbrio e um resto de optimismo, a bem da nossa sanidade mental.

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  4. Também não aprecio chuva, sobretudo nesta versão contínua e melancólica. Gostei do texto de Cioran e lembrei-me de um conto de Teixeira Gomes, passado na Holanda, onde também não parava de chover. Bom dia!

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    1. Tenho que localizar esse conto de Teixeira Gomes, escritor que muito estimo.
      Boa tarde!

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  5. Detesto chuva!
    Gostei da primeira parte da citação de Cioran porque estes dias de chuva, de tão sombrios, parecem mesmo «visão de romance negro».
    Hoje, para já, está um pouco melhor.

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    1. Raramente a aprecio, também...
      Mas o dia de hoje, a manter-se, já reconforta um pouco.

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