domingo, 20 de abril de 2014

Arte e estados de alma


Dizia Pessoa que a metafísica era uma consequência de estar mal disposto; e eu acrescentaria que uma forte constipação em nada contribui para o optimismo humano.
Que tom, ou atmosfera, ressuma das grandes obras de arte? Não, decerto, o da felicidade, embora por vezes o ver e o ler, por um certo mimetismo de experiências, tenham quase o sabor grato do encontro, onde, se não há alegria, ao menos se pode respirar e retirar tranquilidade, num equilíbrio paralelo de entendimento entre os humanos.
Quando saturado de leituras, faço uma pausa, é quase sempre por Simenon que recomeço. E, tirando dois ou três romances, os seus livros têm habitualmente um pano de fundo sombrio, um determinismo fatal, donde raras personagens se libertam. Mas, para mim, estas leituras funcionam como um antídoto - libertam as minhas defesas naturais. Tal como as reflexões pessimistas de Cioran.
Nem a poesia é a arte da alegria. A menos, que de versinhos se trate, ou quadras populares postas a circular por almas cândidas e leves. Mas tenho de conceder que há pinturas que me fazem feliz: algum Dufy, Renoir, Matisse... Da claridade da escrita de Yourcenar à ingenuidade sem culpa de algumas personagens de Guimarães Rosa - quanto à prosa - há que ir por aí...

2 comentários:

  1. À parte os pintores que refere, Chagall (com exceção dos seus quadros 'sombrios') transmite-me uma enorme alegria. Idem para o nosso Júlio (muito influenciado pelo franco-russo). E há outros casos.
    Na literatura, só mesmo romances muito pesados (caso Dostoievsky) é que me deprimem. No geral, leio com enorme prazer. E neste prazer há felicidade.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Chagall, nem por isso, Júlio, com certeza.
      "As Memórias" de Simenon, e algum Coetzee são autênticos murros no estômago.
      E não falei de Música que me parece, pessoalmente, o melhor contágio, muitas vezes, de alegria.

      Eliminar