Os grandes rios são a imagem do tempo,
cruel, impessoal. Vistos de uma ponte
afirmam a sua inexorável nulidade.
Só a curva vacilante de um juncal
pantanoso, algum espelho que brilha
por entre as ervas daninhas e o musgo,
pode vir a revelar que a água se pensa,
como nós, a si mesma,
antes de ser turbilhão e rapina.
Passou já tanto tempo, mas nada se passou
desde quando eu te cantava ao telefone "tu
que te fazes adormecida" em dupla brincadeira.
A tua casa era um relâmpago vista do comboio.
Debruçada sobre o Arno como a árvore de Judas,
que parecia protegê-la. Talvez agora seja
ou não uma ruína. Toda cheia - dizias -
de insectos, de todo inabitável.
Outra comodidade nos convém agora,
outro desconforto.
Eugenio Montale (1896-1981), in Satura (1971).
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