terça-feira, 17 de dezembro de 2013

O Natal de Fialho, em 1891


"...Ah como eu tive inveja do saloio que parou o burro á porta d'uma mercearia da Bitesga, para comprar as duas duzias de brôas da consoada; do pobre engraixador da esquina, indo á praça com a mulher, de fato rico, apreçar um quarto de peru; da varina entrando na salsicharia, radiante, a comprar salsichas, ao fim de ter deposto a canastra á porta, rude presépe onde o filho loiro chuchava o dedo, com o ventre de sapo para o ar! (...)
......dia de Natal, eu que conheço toda a gente, não tive ninguém que me dissesse «anda jantar». Vinguei-me sahindo de casa, e engajando os primeiros va-nu-pieds eventuaes. Dois pobres do asylo, os uniformes sem nodoas, pouco bebedos. Marchamos para o Augusto, e na sala comum, a uma de cujas mesas nos sentamos, houve reboliço por banda das meretrizes e irregulares que mais alegres do que eu, alli tinham ido fazer o seu jantar de festa, em partie fine. Não descrevo a comida, registando apenas o trabalho gasto em despersuadir os meus dois commensaes de não metterem nos bolsos os restos de cada prato do festim. ..."

Fialho de Almeida, in Os Gatos (5º volume).

6 comentários:

  1. A mercearia da Betesga devia ser a Manuel Tavares que ainda lá está.
    E o Augusto...parece-me que era no Chiado.

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  2. Por coincidência, estava a preparar-me para transcrever coisa semelhante, aquela carta muito festiva de fim de ano que encerra as «Pasquinadas» (um ano antes, 90 para 91). Não há dúvida de que este homem era um desconsolo. Mas julgo que tudo - desconsolo, desolação geral, rezinga, e quase toda a espécie possível de mau feitio, excepto quando a deselegância, de gratuita e maldosa, passava as marcas - pode e deve ser-lhe descontado pela nada famosa vida que teve desde a infância, pobre homem. E, pelo menos, sempre foi conseguindo fazer literatura; às vezes, boa.

    Desejo-lhe, com menos desânimo, um bom ano. Mesmo com este «governo», difícil que pareça.
    E aproveito, noutro «post», para lhe deixar uma sugestão afim.

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  3. Agradeço a sua visita e comentário.
    Só nã percebi a sua frase ("E aproveito, noutro «post», para lhe deixar uma sugestão afim."), porque não encontrei mais nenhum comentário seu.
    Seja como for, agradeço os seus votos e retribuo com o desejo de um 2014 possível e feliz.

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