Atentemos, então, no autor de uma obra. A que se assemelha a condição deste trabalhador?
Na verdade, a literatura, tal como ela é, aproxima-se singularmente de alguns destes trabalhos feitos em casa, como existem ainda tantos em Paris; e ela será assim mais um por vários aspectos. O poeta faz-nos pensar nesses pequenos industriais engenhosos que fabricam, tendo em vista o Natal ou a passagem do Ano, brinquedos notáveis pela invenção, pela surpresa organizada e que são feitos com materiais de acaso. O poeta fundamenta os seus na linguagem normal. É belo evocar o céu e a terra, imaginar tempestades, reanimar as nossas emoções, sugerir tudo aquilo que há de mais delicioso ou de mais trágico no íntimo dos seres, dispor da natureza, do infinito, da morte, dos deuses e da beleza, e ele não é menos, aos olhos de um observador dos seus feitos e dos seus gestos, que um cidadão, um contribuinte, que se encerra a determinada hora do dia, com um caderno de páginas em branco, e que o vai preenchendo, por vezes silenciosamente, outras vezes dando-lhe voz, e andando ao mesmo tempo no espaço entre a porta e a janela. Até 1840, um Victor Hugo é um autor muito lido que habita burguesmente um apartamento no Marais; paga o seu alojamento, os seus impostos: é um produtor modelo. Mas o que é que ele faz? O que produz? E qual é o tipo da sua indústria? O mesmo observador, friamente exacto, constatará que os produtos desta pequena indústria têm um valor variável, tão precário como aqueles do fabricante de brinquedos, que trabalha, também ele, em sua casa, a dois passos dali, na rua dos Archives ou na rua Vieille-du-Temps.
Mas este valor, o que sairá das mãos do poeta, é complexo, é dúbio, e, nos dois casos, ele é essencialmente incerto.
Paul Valéry, in Regards sur le Monde actuel (pgs. 245/6/7).
Ainda há poucos anos, muita gente pensava assim: que produz um escritor? :-)))
ResponderEliminarE, por cá, chamar "poeta" a alguém, creio que é ainda, uma forma eufemística e subtil de insultar...
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