Muitas vezes, a violência das palavras de J. M. Coetzee (1940), é difícil de suportar. Não será o caso deste pequeno capítulo, que passo a transcrever:
"84. Nesta terra deve haver filhos já adultos que esperam, pacientemente, que os pais afrouxem o controlo das chaves. No dia em que eu cruzar as mãos do meu pai sobre o seu peito e o tapar com um lençol, no dia em que eu tomar conta das chaves, hei-de abrir a fechadura da tampa da secretária e hei-de desvendar todos os segredos que aí guardou: os livros de contabilidade e os canhotos, os registos notariais e os testamentos, as fotografias da mulher morta com a inscrição «Com todo o meu amor», as cartas atadas com uma fita vermelha. E no canto mais escuro, nos fundos de um escaninho, hei-de descobrir os antigos êxtases do defunto, os versos dobrados três, quatro vezes e metidos num envelope amarelado, os sonetos à esperança e à alegria, as confissões de amor, as juras e dedicatórias apaixonadas, as rapsódias conjugais, as quadras «Ao meu filho» e depois mais nada. O silêncio. A veia tinha secado. Algures, entre a juventude e a idade adulta deste homem que foi marido, pai, patrão, o coração ter-se-á transformado em pedra. Terá sido com o nascimento desta filha enfezada? Terei sido eu quem matou a vitalidade dele, tal como ele está a matar a minha?"
J. M. Coetzee, in No Coração desta Terra (Dom Quixote, 2011), trad. de Maria João Delgado.
Pois é, Coetzee não é para todos os dias. É um dos únicos escritores (que li) que me deprime. Outro é Imre Kertesz. Só que este húngaro, nem o acho um grande escritor.
ResponderEliminarNão conheço o I. K.. Aprecio imenso o Coetzee, mas é salutar [:))] espaçar a leitura das suas obras, como a MR refere
ResponderEliminarÉ mesmo deprimente...
ResponderEliminarPois, não vale a ena perder tempo com I. K. Li-o (só um livro e nem cheguei ao fim) porque ganhou o Nobel e quis conhecê-lo.
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