Era um homem mal agasalhado, por dentro e por fora. De gestos bruscos, mas sem agressividade, com um olhar penetrante de ave de rapina, mas raramente se zangava - só quando não acompanhávamos as suas dissertações, ou ele julgava que o não levávamos a sério. Beirão tenaz, a meio do curso de engenharia, a ele se poderiam aplicar os versos de Brel: "desesperado, mas com elegância". Teria 22 anos? Era magro e anguloso, nariz aquilino, fino, cabelos negros e lisos.
A teoria cristã e medieval dos números, adivinhou-a ele, por si, num processo vertiginoso, sem coordenadas terrenas, nem retrocesso possível. Era de uma grande agudeza de espírito, difícil de acompanhar. Na fase final, alimentava-se mal. Mas, em relação à mesada, era disciplinado e rigoroso, dividindo-a em três partes iguais: pão, tabaco e bebida. No resto, era de um fulgor incendiário, um cometa irreversível em direcção ao nada. Acompanhá-lo, nessas longínquas (1966?) férias da Páscoa, foi, para mim, uma aventura perigosa, mas empolgante, que nunca mais esqueci.
Foi internado, pouco depois, com cura de sono sequente. Quando o voltei a ver, um ano mais tarde, era um vegetal melancólico, de olhar baço e parado. Neutro. Quase triste.
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