quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Sobre as Greguerías de D. Ramón


Somam já 66, as greguerías de Ramón Gómez de la Serna (1888-1963), que tenho vindo a traduzir, ocasionalmente e com gosto de partilha, aqui, para o Arpose. O facto de ser uma escolha pessoal, implica a preferência subjectiva por aquelas que considero mais bem conseguidas, por acentuado humor, imaginação, concisão e até palpitação poética. Mas o caminho de D. Ramón foi longo, aperfeiçoado e consistente, nos propósitos e objectivos. As primeiras greguerías são de 1911, tinha ele, portanto, 23 anos; as últimas, datam do ano anterior à sua morte, ou seja, foram escritas em 1962. Se nas primeiras ressalta a imaginação transbordante e algum barroquismo, por vezes, até às finais há todo um processo gradual de depuração e concisão objectiva, quase aforística, onde porém  nunca falta o humor, a aguda observação e, com frequência, também a poesia do olhar. Para se ter uma ideia mais concreta deste percurso, vou traduzir mais 4 greguerías, da primeira fase (1911-1913), para se avaliar a diferença. Aqui seguem:

1. Na terra cortada a bisel vê-se, como num pão de especiarias, uma sementeira de ossos...Os ossos servem para fazer açúcar...Todos os ossos...Não pode ser mais jovial o seu objectivo.
2. De noite há muitos desastres nas estrelas, incêndios vorazes e insufocáveis. E o bombeiro divino, que faz?
3. Às vezes a cama é um abismo...Outras vezes é uma superfície branda, mas superficial...A cama tem noites em que é como se fosse de uma carruagem-cama, outras vezes parece de um camarote, outras, ainda, o catre de um presidiário; algumas, menos, a cama de um cão.
4. Oh! o nariz das mulas! O trejeito que fazem as suas narinas e toda ela é uma dor de nariz que chora.

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