quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Tomaz de Figueiredo



Nunca lhe falei, mas ouvi-o de perto - voz rouca ou áspera, rosto queimado ou moreno intenso. Ao fundo, no canto esquerdo, depois do jantar ia tomar o café à "Pastelaria Ceuta", na Avenida da República: Lisboa, anos 60. Esperava ou esperavam-no a Maria do Céu Guerra (1943), ainda não conhecida como actriz, e o Mendes de Carvalho (1927-1988), poeta já publicado. Ela sardenta (?), ele, de barba cerrada e pele muito branca, contrastavam com o moreno acentuado de Tomaz de Figueiredo (1902-1970) e por lá ficavam discreteando, mais o escritor do que o casal jovem que lhe fazia companhia. Verdadeiramente, só o li mais tarde, a este bracarense ilustre que vem da linhagem de um Camilo e de um Aquilino, embora menos dotado, mas com o mesmo amor à língua portuguesa. Por isto se me fêz referência incontornável, com os seus profundos conhecimentos do linguajar minhoto, a mim que o sou apenas de adopção. De Tomaz de Figueiredo, ao "Nó Cego" e "Dom Tanas de Barbatanas", prefiro, sem dúvida, os contos de "Tiros de Espingarda" ou o inclassificável, mas bem pitoresco "Dicionário Falado" em que, através das memórias minhotas da infância, vai explicando termos e palavras (quase) perdidos no tempo. Para se ver - quem não conheça - o estilo do Autor, aqui vai um "cheirinho" do "Dicionário Falado", publicado postumamente em Dezembro de 1970.

"Neste caso, o que nem sempre acontece, a razão da palavra entende-a à primeira todo o provinciano, maiormente caçador, se lhe forem os cães companhia, tanta vez derradeira família, de quem já só receberia amor.

Visual e sonora, vem a razão do beber dos cães. Língua de fora, lingua de colher, lape-lape, «lapam» os cães, em três tempos, um panelão de caldo. Para «lapar», com a sabida fome canina, eles! E até o que nem se esperaria «lapam», os «lapadores»!

Da canzoada lá da minha casa constou um diabo de cão, linda pinta, espetada orelha, pelagem de avelã, mas um morcão, um pastelão, que só comia, dormia e amava, que apenas para ofício de corpo presente levávamos ao monte. Maus narizes decerto: a esgana, em cachorro, lhos secaria, coisa de que desconfiava o «Marquês», curador de gado e outros animais, que, com o Armada, o Tinente e o Mata-Leões, também desfechava a escopeta de fósforo em coelhadas pelas bouças da Toca..."

1 comentário:

  1. Conheço muito mal a obra de Tomás de Figueiredo. Quando arranjar um tempinho...

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