terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Pequena história (32)


Quem tenha muitos, mesmo muitos livros em casa, ter-se-á habituado, com certeza, à pergunta sacramental de algum novo visitante que, pasmado pela visão de tanto volume, dispara: "Já leu estes livros todos?"
João Cosme da Cunha (1715-1783), mais conhecido na História como Cardeal da Cunha, foi figura de vulto durante todo o consulado do Marquês de Pombal. Era beato até ao excesso (ou falsamente), muito bajulador, oportunista e camaleónico. Oriundo de um ramo dos Távoras, logo se demarcou dos parentes, quando estes entraram em desgraça e foram supliciados, depois do atentado ao rei D. José. Foi "mais papista que o Papa" no ataque aos Jesuitas, quando o Marquês decidiu aniquilá-los. Indefectível de Pombal, logo que este perdeu as graças, no início do reinado de D. Maria I, foi dos primeiros a atacar o seu antigo protector. Mas era tarde, a rainha despromoveu-o das muitas benesses que detinha, nomeadamente, de conselheiro de Estado. Tinha chegado entretanto a Arcebispo de Évora e era detentor de grossos cabedais...
Para impressionar e alardear cultura, tinha a sua casa coalhada de livros, que ultrapassavam a dezena de milhar - por abrir... O conde da Ponte, que o conhecia bem, costumava dizer: "Lá anda o Cardeal a passear a sua ignorância, por entre as onze mil virgens..."

6 comentários:

  1. Também há quem compre caixas a imitar livros com belas lombadas para enfeitar as estantes... :))

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Também já vi... destas fantasias douradas e altamente decorativas..:-))

      Eliminar
  2. Este seu post, com a pergunta "Já leu estes livros todos?" lembrou-me um texto muito interessante do José Pacheco Pereira, sobre os livros que conseguiremos ler ao longo da vida.

    Eu sei que mesmo que não compre mais nada já não vou ter vida para ler o que tenho.
    Mas os meus, ao contrário dos do Cardeal, já todos foram, pelo menos, folheados. Já nenhum é virgem, por assim dizer:)

    Boa tarde:)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Gostei dessa crónica de JPP, que li, no Público. Mas é verdade que essa pergunta já me foi feita umas 3 ou 4 vezes...
      A minha resistência, como a dele, aliás, prende-se mais em não querer descobrir bons e novos autores. Abro uma ou outra excepção, em relação à poesia, por razões várias. Até porque, raramente, tenho encontrado justificações para essa perda de tempo, embora também o meu gosto possa acusar algum desgaste e cristalização. Quanto a livros por abrir, creio que também não tenho nenhum, assim, na minha biblioteca.
      Uma boa noite, Isabel!

      Eliminar