quarta-feira, 4 de junho de 2014

Urbano, sobre Colónia e os alemães


Aqui há muitos anos atrás, para os portugueses, ultrapassar os Pirinéus, era quase uma aventura. Económica e politicamente. Hoje, outros destinos exóticos estão acessíveis (Coreia do Norte, Islândia...) e até dão livros, que se vendem bem. Nos anos 50 portugueses, objectivos europeus e mais modestos, eram também, como experiências, narrados por Natália Correia, Agustina, Ilse Losa e tantos outros escritores lusitanos. Está neste caso o volume Jornadas na Europa, de Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013), saído em 1958 (Publicações Europa-América), que fala assim da Alemanha:
"...Em Colónia, uma vez instalada estratègicamente a caravana, à hora do lanche, num luxuoso salão de chá, sobre um belvedere, de onde víamos a Catedral, as pontes e os cais do Reno, recomeçaram, com alta solenidade, longas e eruditas orações de boas-vindas. Tudo na nossa viagem se anunciava cronométrica, sèriamente organizado. Radicava-se no meu espírito a ideia de que o alemão não concebe a importância de perder tempo, meio indirecto de compreensão, nem a alegria pura da vagabundagem.
Escutando sucessivos discursos de hospitaleiros burgomestres, logo traduzidos em inglês e algumas vezes também em francês, foi-se-me tornado patente que o povo alemão necessita de fazer seja o que for sempre em função de alguma coisa, ainda que abstracta. Por isso compartimenta a vida e organiza tudo escrupulosamente: o método e o motivo são-lhe imprescindíveis, têm para ele como que um valor dignificante, na ciência, na economia ou mesmo no turismo. Daí a ausência de ironia que o torna vulnerável à nossa malícia. Não desconfiam, são criaturas inteiras, apaixonadas e violentamente submissas, executam todos os ritos com ingénua veemência. Daí, também, a sua força e o seu lirismo. ..." (pg. 74)

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