quarta-feira, 11 de junho de 2014

A par e passo 93


Construir nasce de um projecto ou de uma visão determinada, e dos materiais que escolhemos. Substitui-se uma ordem inicial por outra, seja quais forem os objectos que a constituem. Sejam pedras, cores, palavras, conceitos, homens, etc., a sua natureza particular não modifica as condições gerais desta espécie de música onde ela não executa senão a marca de um timbre, se continuarmos em jeito de metáfora. O surpreendente é ressentir por vezes a impressão da justeza e consistência nas construções humanas - feitas de uma aglomeração de objectos aparentemente inconciliáveis - como se aquele que assim os dispôs lhes tivesse reconhecido secretas afinidades. Mas a estupefacção ultrapassa tudo, logo que temos conhecimento do seu autor que, na maioria dos casos, é incapaz de se dar conta dos caminhos seguidos e que acaba por ser detentor de um poder de que ignora as potencialidades. Ele não consegue nunca, à partida, prever um sucesso. Por que cálculos, as partes de um edifício, os elementos de um drama, os componentes de uma vitória, conseguem conciliar-se entre si? Por que série de análises obscuras a produção de uma obra é plenamente conseguida?

Paul Valéry, in Variété I (pgs. 234/5).

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