sábado, 1 de fevereiro de 2014

Lutero, segundo Cioran


É melhor que eu o reconheça: a própria ideia de combater, pelo que quer que seja, repugna-me e ultrapassa-me. Abandonei definitivamente a idade em que gostava de disputar, de me fazer valer, de me pôr à frente. Além disso, desde há anos, que eu não faço senão abandonar as minhas antigas posições, de me concentrar na renúncia. Quero que me deixem tranquilo.
E entretanto...
Mergulhei em Lutero. E aquilo de que eu gosto nele é a verve, o furor, a invectiva, a acção. Aqui está um homem que eu amo e que, no entanto, está nos antípodas dos meus gostos actuais, que queria provocar, modificar. Ele lembra-me o orgulho demente que eu tinha na juventude e, é por isso, creio, que ele me apaixona. Aliás, nunca deixei de me sentir atraído pelo seu temperamento, a sua saborosa grosseria, o seu profetismo realçado pela escatologia.

E. M. Cioran, in Cahiers / 1957-1972 (pg. 607).

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